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"Luto por ele", diz mãe de bebê símbolo da luta intersexo

Além de reivindicar direitos do filho, Jacob, que morreu com um ano e meio, Thais Emília fundou a Associação Brasileira Intersexo

26 out 2022 - 05h00
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Thais e Beto com Jacob: bebê tinha cardiopatia grave e inspirou ativismo da mãe
Thais e Beto com Jacob: bebê tinha cardiopatia grave e inspirou ativismo da mãe
Foto: Acervo Pessoal

Formada em Pedagogia com Habilitação em Educação Especial, Thais Emília de Campos dos Santos sonhava em trabalhar com crianças com deficiência. A vida se encarregou de levá-la a ajudar a população infantil de uma outra forma - não menos desafiadora, no entanto. Em 2016 ela  deu à luz Jacob que, embora tenha vivido apenas um ano e meio, mudou a trajetória de Thais Emília para sempre. E, por consequência, a história de outras pessoas como ele também.

Jacob era uma criança intersexo. Aos 7 meses de gestação, uma ressonância fetal identificou uma ambiguidade sexual. "Eu não me importei com o sexo, entendia a condição como um corpo não binário, apenas isso. As leituras no mestrado me fizeram uma pessoa livre de pensar a sexualidade em caixinhas", conta ela.

Pessoas intersexo são aquelas que nascem com alguma variação natural nas características do corpo que são atribuídas a sexo (genitálias, gônadas, cromossomos e resposta hormonal) de forma a não serem contempladas pelas concepções binárias que são típicas sobre como deve ser o corpo de um ser macho ou fêmea.

O bebê tinha microcefalia e uma grave cardioapatia. "Esses, sim, eram meus maiores medos e problemas. Contudo, o órgão genital de Jacob foi a maior preocupação das equipes médicas do hospital que o submeteram a diversos exames e ultrassons, pretendendo definir seu sexo. Depois de muito tempo, os médicos recomendaram uma cirurgia de designação sexual, que recusamos", explica Thais Emília.

Por conta da ausência de uma definição binária do sexo (masculino ou feminino), o hospital recusou-se a emitir a Declaração de Nascido Vido (DNV), essencial para a família solicitar a Certidão de Nascimento. "Durante dois meses, não consegui ter acesso à licença-maternidade, nem Jacob ao SUS e ao Convênio de Saúde, até ele ser registrado com o sexo masculino e ter o documento", lembra.

"Minha principal luta é para que haja maior conscientização do que é uma pessoa intersexo e que essa comunidade tenha tratamento digno", diz Thais
"Minha principal luta é para que haja maior conscientização do que é uma pessoa intersexo e que essa comunidade tenha tratamento digno", diz Thais
Foto: Acervo Pessoal

Depois de tudo o que ocorreu, ela descobriu que desde 2012 é possível registrar o sexo como “ignorado”, quando a criança é intersexo. "Um ano e meio depois de nascer, esse pequeno anjo, símbolo de toda a luta Intersexo, deixou-nos, por um problema cardíaco, mas tudo o que passei me motivou ainda mais a continuar. Finalizar a escrita da minha tese sobre educação de crianças e de adolescentes intersexo não foi fácil. Acho que se existe um plano superior, Jacob está lá e cuidava e cuida de mim", relata.

Em 2018, com um grupo de mães, a educadora deu início ao processo de regulamentação da Associação Brasileira Intersexo (ABRAI). Em 2019 ela assumiu a presidência da entidade, foi regulamentada oficialmente em 2020. Desde então, a ABRAI atuando no atendimento de pessoas intersexo e de seus familiares por meio de parcerias com laboratórios, ambulatórios e médicos. 

Em julho deste ano, Thais Emília lançou o livro "Jacob (y), 'entre os sexos' e cardiopatias, o que o fez Anjo", no qual conta toda a sua luta. Além de ter se especializado em Educação Inclusiva e Diversidade, ela também é embaixadora Avon na luta contra violência de gênero e divide o ativismo com a rotina em família com o marido, Elisberto Campos, e três filhos.

Livro lançado em julho conta a trajetória de Thais para fazer registro do bebê
Livro lançado em julho conta a trajetória de Thais para fazer registro do bebê
Foto: Acervo Pessoal

"Minha principal luta é para que haja maior conscientização do que é uma pessoa intersexo e que essa comunidade tenha tratamento digno. Isso inclui a saúde e políticas integrais e qualificadas, que não sejam normatizadoras dos corpos e que compreendam a importância do indivíduo poder de decidir pelo próprio corpo e documentação. Colocar uma criança numa 'caixinha de sexo ignorado' no registro civil é uma outra maneira de 'secundarizar' essa existência", diz.

Outra questão levantada pela ABRAI diz respeito à aposentadoria. Como é que uma pessoa que teve o sexo ignorado vai se aposentar, se a previdência social no Brasil só aceita feminino e masculino? E, ainda, a entidade tenta conscientizar sobre a autonomia das pessoas intersexo em relação aos próprios corpos, uma vez quem muitos médicos recomendam tratamentos hormonais e até cirurgias de redesignação sem que haja um entendimento completo da condição.

Fonte: Redação Nós
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