Mãe de criança trans relata transição social do filho aos cinco anos de idade: "Ele renasceu"
Segundo a criadora de conteúdo Cinthya Cristina, ela precisou buscar conhecimento para conseguir ajudar filho no processo de transição
Cinthya Cristina, mãe de quatro filhos, fala sobre a experiência de ser mãe de uma criança trans, evidenciando os desafios enfrentados e aprendizados.
Para a criadora de conteúdo Cinthya Cristina, 35 anos, que tem quatro filhos, ser mãe de uma criança trans é desafiador por ter que aprender a lidar com as pessoas de fora do seu convívio familiar e não pela maternidade em si. Ela é mãe dos gêmeos Anthony e Carlos, de 13 anos, e dos também gêmeos de sete anos, Sophia e Miguel, que é uma criança trans.
As crianças vieram de uma relação que durou 13 anos. Quando os gêmeos mais novos tinham cerca de um ano de idade, ela se mudou com os quatro filhos para uma casa com apenas um cômodo e, desde então, é mãe solo.
"Ser mãe de uma criança trans é como ser mãe dos outros três", disse em entrevista ao Terra NÓS, destacando que Miguel é tratado igual aos outros filhos. "As dúvidas que ele vai ter, eu vou procurar responder de acordo com a idade dele."
A aprendizagem também é uma via de mão dupla. "O Miguel ser trans me trouxe muito aprendizado. Eu não sabia que existia criança trans, então eu tive que buscar conhecimento, estudar, entender o que estava acontecendo com ele. Como eu não sabia que existia, não era uma coisa que era possível na minha cabeça", explicou.
Transição social
Antes dos cinco anos, idade em que iniciou a transição social, Miguel começou a apresentar fortes dores abdominais sem causa médica aparente. "Ele fez vários exames e não tinha nada, parecia ser psicológico", relembra Cinthya.
Médicos questionaram se algo tinha acontecido nos últimos tempos. Cinthya ressaltou que a única coisa que aconteceu de diferente foi a separação, apesar de já fazer algum tempo. Como o pai das crianças era ausente, os profissionais da saúde indicaram que Miguel fizesse acompanhamento psicológico na presença dos pais.
Por um tempo, Miguel apresentou melhora. "Até que, alguns meses depois, ele começou a reclamar de dor de novo", disse ela. Durante esse período, Miguel pedia constantemente para cortar o cabelo, que ele já chegou a dizer que odiava. "Aí eu falei assim: 'se o problema é o cabelo, que cresce, eu vou cortar'. Então cortei o cabelo do Miguel. Do dia que eu cortei o cabelo até hoje, ele nunca mais apresentou nenhuma dor. Não teve mais dor abdominal, gritos, choros, medo, mais nada, acabou."
"Depois do corte de cabelo, eu falo que parece que ele renasceu. Eu tenho um filho antes do corte de cabelo e um filho depois do corte de cabelo, porque ele renasceu. O sorriso dele na hora que viu o cabelo dele cortado foi instantâneo. Abriu um sorriso que nunca mais se apagou, iluminou aquela criança."
"Foi a partir desse momento que eu comecei a observar", conta ela, que na época começou a postar sobre o assunto nas redes sociais, onde já acumulava seguidores. Uma seguidora indicou conteúdos de outras mães de crianças trans. Isso ampliou o conhecimento de Cinthya sobre o assunto.
Os pronomes femininos também eram um problema para Miguel que, apesar de tudo, gostava do nome dado a ele ao nascer. "Isso o incomodava muito e trazia sofrimento", afirmou a mãe. Ela chegou a fazer uma lista com possíveis nomes para o filho, mas a criança não quis nenhum daquela lista. Certo dia, ao buscar Miguel e Sophia na escola, o menino contou que tinha encontrado o nome perfeito. "É Miguel. Esse já era o meu nome", disse ele na ocasião, segundo a criadora de conteúdo.
"O processo do Miguel, de corte de cabelo, pronome, roupa, nome, entender que ele era um menino, porque ele sempre se tratava já no masculino, levou cerca de um ano. Então, dos cinco ao seis anos foi um processo de transição", revelou à reportagem.
Desafios e acolhimento
Miguel encontrou acolhimento na escola, nos serviços de saúde e em outros ambientes sociais, onde seu nome social é respeitado, mesmo sem ter ainda os documentos retificados. Para Cinthya, o maior desafio não está na transição de Miguel, mas na jornada de ser uma mãe solo no Brasil. "Ser mãe solo no Brasil é muito difícil, muito doloroso. A gente passa por coisas que ninguém deveria passar", afirmou.
Nas redes sociais, Cinthya tenta lidar com as críticas de forma educativa, usando os comentários bons e ruins que recebe para conscientizar as pessoas sobre crianças trans.
"As pessoas me questionam o tempo todo. É muito preconceito, falta de informação. As pessoas não têm noção do que escrevem, são ignorantes no assunto também. Como eu já estive no lugar de nem saber que existia criança trans, quando vejo algum comentário assim, procuro responder com o olhar que eu tinha, ensinando as pessoas", afirmou.
Cinthya já recebeu depoimentos de pais e mães contando que começaram a aceitar os filhos após sua ajuda para entender mais sobre o assunto. "São muitas mensagens assim, então, é muito melhor eu pegar o que chega de bom do que o que chega de ruim", destacou ao Terra NÓS.
"Eu gostaria que as pessoas entendessem que apoiar uma criança trans não é influenciá-la, não é confundi-la. Mas, sim, a gente enxergar que a criança é um indivíduo que precisa de amor, de atenção. Ela tem sentimentos e que são esses sentimentos que vão torná-las os adultos de amanhã", declarou ela.
"Eu amo o meu filho, amo os meus quatro filhos, independente de quem são. Eles são indivíduos diferentes um do outro e são respeitados de acordo com sua individualidade, cada um do jeito que é", enfatiza.