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Mãe de Eliza Samudio diz que luto cresce a cada ano: “Durmo e acordo pensando na minha filha”

Em entrevista exclusiva ao Terra NÓS, Sônia Samudio fala sobre a criação do neto e a mudança na opinião pública sobre feminicídio

17 mar 2023 - 05h00
(atualizado às 15h02)
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Sônia Samudio: "fica uma lacuna aberta. Mas meus dias parecem os mesmos há 13 anos: eu deito e levanto pensando nisso"
Sônia Samudio: "fica uma lacuna aberta. Mas meus dias parecem os mesmos há 13 anos: eu deito e levanto pensando nisso"
Foto: Arquivo pessoal

O dia cheio termina com uma similaridade que as noites ganharam. Ao deitar na cama, em que dorme sozinha desde a morte do marido, há 11 meses, Sônia de Fátima repete um ritual inconsciente desde que sua filha Eliza Samudio foi brutalmente assassinada: ela inclina o corpo para o lado e abraça as pernas com firmeza. Ela assiste, então, ao mesmo filme há mais de quatro mil noites.

O filme começa com a filhinha pequena e arretada correndo para lá e para cá. Se desenrola com a adolescência de Eliza e termina com o nascimento de quem faz Sônia ocupar seus dias: Bruninho, seu neto. O filme passa, então, pela violência que o menino sofreu desde a barriga da mãe – Bruno Fernandes, o genitor, teria tentado obrigar Eliza a abortar mais de uma vez. Depois de nascido, Bruninho foi abandonado em uma casa, enquanto sua filha, Eliza, vivia o horror que terminou com seu desaparecimento.

Relembre o caso: o feminicídio de Eliza Samudio

Sônia, então, dorme. Nos sonhos, Eliza está bem, feliz, passeando num campo de flores. Quando acorda, no entanto, precisa mais uma vez, por mais um dia, lidar com a ausência de respostas. O luto, ela conta com exclusividade ao Terra NÓS para o Mês da Mulher, não tem fim, nem melhora com o tempo. Porque o luto,segundo ela, para prosseguir precisa passar por uma resposta clara. Precisa começar com o conhecimento do que houve; precisa ter início com um adeus digno.

Sônia não velou o corpo da filha; ela sequer sabe o que, de fato, aconteceu com ela. Os restos mortais de Eliza nunca foram encontrados. Nem Bruno, mesmo condenado a 22 anos e três de prisão, nem seus comparsas contaram à polícia como o crime que chocou o País há 13 anos aconteceu. Sônia queria se despedir da filha. Queria poder sepultá-la, chorar sobre sua história, e então, dar início ao processo de luto. Mas ela não pode.

Eliza Samudio e Bruninho, ainda bebê, no colo da mãe
Eliza Samudio e Bruninho, ainda bebê, no colo da mãe
Foto: Arquivo pessoal

“Fica uma lacuna aberta. Não adianta dizer que passa, porque não passa nunca. Se tivesse sido em outra circunstância, se eu a tivesse enterrado, seria diferente. É como se o tempo não passasse, como se estivesse parado, congelado. Percebo a passagem dos anos por meio do Bruninho, que está crescendo. Mas meus dias parecem os mesmos há 13 anos: eu deito e levanto pensando nisso.”

O legado de Eliza

A vida de Sônia gira em torno do neto, que já tem 13 anos, um menino consciente e seguro cheio de sonhos, mas que às vezes tem crises de ansiedade sem motivo aparente. Desde sempre, Bruninho faz acompanhamento psicológico. Hoje, entretanto, não questiona mais a avó sobre a mãe ou sobre o pai. Suas prioridades são outras: Bruninho quer ser jogador profissional.

“Às vezes, ele fica nervoso e irritado, e eu aconselho: ‘Se não quiser falar para mim, fala com sua psicóloga’. Ele fica quieto. Espero que não precisemos entrar com medicação. Bruninho foi vítima direta. Além do afastamento brusco da mãe com meses, ele sofreu agressões. Ele traz vestígios do que viveu lá atrás.”

Falar da filha faz Sônia chorar um choro embargado e dolorido, mesmo depois de tanto tempo. Além de dolorido, é um choro impotente. Para ela, a Justiça foi ineficaz ao não encontrar os restos mortais de Eliza. “Os assassinos estão vivendo suas vidas e eu não pude dar um enterro digno para a minha filha. Isso tira minha paz. Essas pessoas sequer tiveram empatia comigo e com a criança. Se respondessem, se dissessem o que fizeram, como fizeram e onde estão os restos mortais –se é que existem–, eu poderia tentar recomeçar minha vida.”

Bruno Fernandes, goleiro: mesmo preso, ele recebeu diversas propostas para atuar em clubes de futebol. E deve pensão ao filho
Bruno Fernandes, goleiro: mesmo preso, ele recebeu diversas propostas para atuar em clubes de futebol. E deve pensão ao filho
Foto: Wikicommons

Bruno Fernandes foi condenado por não pagar a pensão a Bruninho no ano passado. Ao perceber que seria preso, pagou R$ 90 mil e, segundo Sônia, já está há oito meses sem pagar de novo. O menino sabe, mas a avó evita voltar no assunto perto do neto. O que ela quer é que ele consiga viver apesar do que aconteceu.

Ainda segundo Sônia, Bruno foi condenado a pagar uma indenização de R$ 650 milhões ao filho. Judicialmente, o ex-goleiro pediu um exame de DNA para comprovar a paternidade. Bruno alegou, em seus depoimentos, que o menino não tem seus traços. Ledo engano, e Sônia dá de ombros. “Tento blindar o Bruninho dessa desconfiança também. Ser renegado a vida toda certamente vai traumatizar uma criança”.

O tal ditado de que o que não destrói fortalece pauta o dia a dia da mãe de Eliza Samudio cada vez mais. Ela enxerga a força que toda a dor fez brotar. Enxerga o crescimento pessoal e a resiliência. Pensar em desistir de tudo é frequente, ela conta, mas não sai do campo das ideias. Tem dias em que quer fugir, não falar mais com a imprensa e deixar o caso cair no esquecimento de uma vez. “Mas não tenho esse direito.”

Quando lembra, então, da força desempenhada pela filha para se manter viva e para proteger Bruninho em meio ao caos que antecedeu sua morte brutal, entende que desistir não é opção. Quando quer se acovardar, como a própria diz, lembra do quanto Eliza foi guerreira. E tira forças de algum lugar desconhecido, levanta da cama e começa tudo de novo. 

“Tem dias que dá vontade de arrumar um buraco bem fundo, escuro, e ficar lá encolhidinha em posição fetal. Incrivelmente, eu não dormia desse jeito. Desde a morte da Eliza, eu durmo. Tenho vontade de não ver nem ouvir ninguém, mas não posso. Tenho o Bruninho, tenho que cuidar dele, tenho de orientá-lo e mostrar na minha personificação o quanto a mãe dele o quis e guerreou por ele.”

Mãe e filha em uma festa de aniversário
Mãe e filha em uma festa de aniversário
Foto: Arquivo pessoal

“Meus dias são cinzentos. Sempre cinzentos. Às vezes, brilha um sol rápido e maravilhoso sobre a minha cabeça, mas as nuvens logo o cobrem.”

Imprensa machista e o tempo

O desenrolar do caso, segundo Sônia, seria diferente se o crime tivesse acontecido hoje. Com a lei do feminicídio e com os olhos da opinião pública sensibilizados para os direitos das mulheres, ela acredita que a filha não teria sido desacreditada e desvalorizada como foi à época, principalmente pela imprensa.

“Era uma imprensa machista, muito machista. O machismo continua, impera até hoje, mas com uma dose de bom senso em cima. O Bruno quis construir a defesa dele em cima da imagem da Eliza, alegando que ela era garota de programa, como se isso fosse justificativa para o crime que cometeu. Minha filha não era garota de programa, mas e se fosse? O que pesa mais, uma mulher fazer com o próprio corpo o que ela quer ou um assassinato?”.

Bruno teve sua sentença proferida por uma mulher no Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2013, há dez anos. Um marco que antecedeu a criação da lei do Feminicídio. A sentença da juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues foi lida em 19 minutos. Foi o primeiro momento em que Bruno chorou durante todo o processo. O momento em que descobriu que seria condenado. Por uma mulher.

Sônia, mesmo sob uma cama de desesperança, ainda espera que alguém, em algum momento em algum lugar, conte onde estão os restos mortais de sua filha. Ela ensaia a chegada desse momento. Já planeja a despedida, com atraso de mais de uma década, do jeito que acredita que sua filha mereça: uma despedida afetuosa a quem, segundo Eliza, enrijeceu sem perder a ternura.

Eliza Samudio ainda adolescente, em foto do arquivo pessoal da mãe
Eliza Samudio ainda adolescente, em foto do arquivo pessoal da mãe
Foto: Arquivo pessoal
Fonte: Redação Nós
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