Mães de Maio cobram justiça para seus filhos em Salvador
Movimento pede por maior celeridade em casos de letalidade policial que seguem sem solução; mães também irão produzir um documento público para oficializar as demandas das famílias atingidas pelo Estado
O movimento Mães de Maio se reuniu nesta quarta-feira (18), em Salvador, para discutir o enfrentamento ao genocídio de jovens negros causado pela letalidade policial e pela omissão do Estado. Com a participação de representantes institucionais, como a Defensoria Pública da Bahia e a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, as mães pediram por maior celeridade na apuração de casos que até hoje estão sem solução.
Dentre as prioridades do encontro, realizado em parceria com o Coletivo de Entidades Negras (CEN), está a elaboração de um documento público com objetivo de oficializar as demandas das famílias que perderam familiares para a violência policial. O documento será entregue a organizações que atuam na área da segurança pública e direitos humanos.
O historiador e um dos fundadores do CEN, Marcos Rezende, considera que a realização do encontro representa um espaço de acolhimento e fortalecimento entre as famílias negras diante da letalidade do Estado.
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É um encontro que mexe muito com a gente e é muito importante, primeiro, porque é um espaço de acolhimento entre essas mulheres, que reforçam entre elas uma solidariedade frente à uma perda difícil, e segundo porque constrói uma referência na região Nordeste de que são essas as pessoas que podem trazer respostas para as angústias que atingem a população negra ao longo de séculos, que é o descaso do Estado para com os nossos cidadãos brasileiros", afirma Rezende.
Com cartazes, as mães chamaram os nomes de cada uma das vítimas como forma de fazer com que os casos não sejam esquecidos. Para Rute Fiúza, mãe de Davi Fiúza e coordenadora do movimento Mães de Maio no Nordeste, o encontro representa um embate das mães frente às omissões do Estado diante dos corpos negros atingidos pela violência.
O caso Davi Fiúza segue sem respostas há oito anos. O garoto, na época com 16 anos, desapareceu em outubro de 2014 após ser abordado por policiais militares e colocado em uma viatura na comunidade de Vila Verde, em Salvador. Em 2018, a Polícia Civil da Bahia indiciou 17 PMs, porém, o caso ainda segue na Justiça Militar.
"Desde 2019 que o caso está parado na Vara Militar e nós não podemos ficar parados como a nossa justiça letal. Nós, mães, não podemos ser iguais à justiça, então nos articulamos para dar apoio a outros familiares e vítimas", exclama Rute.
"Somos mães, somos incansáveis, imbatíveis e não desistiremos nem de Davi e nem de outros", completa a coordenadora do coletivo no Nordeste.
Mirtes Renata, mãe de Miguel Otávio, também esteve no encontro e pediu por justiça pelo filho, de cinco anos. Miguel morreu após cair do 9º andar de um prédio em Recife enquanto estava sob os cuidados da ex-patroa de Mirtes, Sarí Corte Real. Desde então, a mãe tem cobrado celeridade no julgamento, já que a fase de instrução já foi encerrada há um mês.
"O Caso Miguel é diferente dessas mães, mas a gente se encontra na dor porque somos mães que infelizmente perdemos os nossos filhos e estamos lutando com esse judiciário classista e racista", diz Mirtes.
Mirtes pontua que é preciso de discussões e novas ações sobre o modelo de justiça e segurança pública no país, que atinge de forma desigual as famílias negras.
"Se observar, os casos de pessoas brancas são resolvidos muito mais rápido do que o de pessoas negras. O salário de cada um que está no Judiciário sai do nosso bolso também e a gente merece que eles trabalhem para nós também e resolvam - não só o meu caso - mas o de cada um dessas mães que estão aqui", finaliza Mirtes.
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