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Marco temporal: saiba quais pontos tornam a lei aprovada diferente do entendimento do STF

Gilmar Mendes abriu nesta segunda, 22, um processo de conciliação para evitar ‘grave insegurança jurídica’

23 abr 2024 - 09h23
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Indígenas comemoram a decisão do STF que tornou o marco temporal inconstitucional, em setembro do ano passado
Indígenas comemoram a decisão do STF que tornou o marco temporal inconstitucional, em setembro do ano passado
Foto: Wilton Junior/Estadão

BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes suspendeu nesta segunda-feira, 22, todos os processos judiciais que questionam a Lei do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro do ano passado. A legislação entrou em vigor como um contraponto à Corte que decidiu, pouco tempo antes, que a tese não pode ser utilizada para definir demarcações de terras. Segundo o decano, os diferentes entendimentos entre os Poderes podem gerar uma “grave insegurança jurídica”.

Enquanto o marco temporal aprovado pelo Congresso determina que as terras indígenas só podem ser demarcadas se tiverem sido ocupadas na data da promulgação da Constituição, a maioria dos ministros do STF decidiram que a tese atinge a garantia dos direitos individuais dos povos originários.

A tese do marco temporal é uma proposta de interpretação de um artigo da Constituição Federal, que cria uma espécie de linha de corte para a demarcação de terras. O entendimento prevê que uma terra indígena só poderia ser demarcada com a comprovação de que os indígenas estavam no local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988.

O que foi aprovado no Congresso e o que o STF decidiu?

No dia 27 de setembro, o Senado aprovou, por 43 votos a 21, o projeto de lei que estabelece o marco temporal como linha de corte para a demarcação de terras indígenas. O texto também dá autorização para garimpos e plantações de transgênicos em terras indígenas, impede o crescimento de áreas já demarcadas e dá aval para a celebração de contratos entre indígenas e não indígenas para explorar atividades econômicas nos territórios tradicionais.

Seis dias antes da decisão do Legislativo, o Supremo rejeitou a tese com um placar de nove a dois. Os ministros consideraram inconstitucional um recurso do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O instituto catarinense utilizou a tese para pedir a reintegração de posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ – onde vivem indígenas das etnias Guarani e Kaingang. Os indígenas do local tiveram a demarcação homologada em 2003, ou seja, 15 anos depois da promulgação da Constituição.

O ponto principal da lei do Congresso, que determinava o marco temporal para as demarcações de terra, foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 20 de outubro. No dia 14 de dezembro, antes do início das férias do Legislativo, o Congresso derrubou o veto, fazendo com que a íntegra da lei entrasse em vigor no País.

Diferentes interpretações sobre a Constituição

Tanto o STF quanto o Congresso tomaram as suas decisões com base no artigo 231 da Constituição Federal. O texto define que as terras “terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e por eles habitadas em caráter permanente” devem ser demarcadas e protegidas pela União.

O projeto de lei aprovado pelo Legislativo interpreta que o artigo garante a demarcação de terras apenas para aquelas que eram ocupadas “em caráter permanente” no dia em que a Carta Magna entrou em vigor.

“A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu enquadramento no artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado”, diz um trecho da lei, vetado por Lula mas resgatado pelo Congresso Nacional.

Os ministros do STF, por sua vez, entenderam que o marco temporal atingiria diretamente o direito fundamental dos indígenas. A Corte também considerou que o direito das comunidades a territórios tradicionais independe de uma data fixa.

Segundo o relator do caso, ministro Edson Fachin, a autorização da perda da posse das terras ocupadas pelos originários significaria “o progressivo etnocídio de sua cultura”.

Gilmar abriu processo de conciliação para resolver ‘severa insegurança jurídica’ entre as diferentes decisões

A decisão de Gilmar Mendes foi proferida no bojo de cinco ações que tramitam no STF e questionam a lei do Congresso. O ministro apontou a necessidade de “pacificar conflito judicial” acerca do uso da tese, e abriu um processo de conciliação e mediação sobre o assunto. O despacho precisa ser referendado pela maioria dos membros do STF.

O decano intimou todas as partes das ações – as entidades que ajuizaram os processos, os chefes dos Poderes Executivo e Legislativo, além da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) – para que, em 30 dias, “apresentem propostas no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional discutido nas ações, mediante a utilização de meios consensuais”.

Gilmar se disse preocupado com a possibilidade de “sinais aparentemente contraditórios”, presentes na definição do Supremo e na lei do Congresso, possam gerar uma “situação de severa insegurança jurídica”.

O que vale diante dos posicionamentos divergentes?

De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, se um processo de demarcação for iniciado hoje, diante de posicionamentos diferentes do Legislativo e do Judiciário, deve prevalecer a regra aprovada pelo Congresso Nacional.

Com o tema em análise de uma resposta do STF, os órgãos responsáveis pela delimitação de terras devem aguardar o desfecho jurídico. Um processo de demarcação pode levar anos. Por exemplo, o litígio do caso em Santa Catarina perdurou por uma década até a homologação.

Congresso pode aprovar PEC ou Supremo pode mudar o seu entendimento

Há também a possibilidade do Congresso aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que alteraria o artigo da Carta Magna que foi levado em consideração na decisão do STF. Porém, especialistas avaliam que a medida não impediria uma futura judicialização do tema, já que a Corte decidiu que o direito dos indígenas é uma cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada pelo Legislativo.

Um cenário mais distante, mas que pode ocorrer, também está no horizonte. Se novamente provocado, o STF pode realizar um novo julgamento e decidir mudar o seu entendimento sobre a inconstitucionalidade do marco temporal. Essa possibilidade apenas se tornaria viável em uma nova composição da Corte, e é uma das expectativas dos apoiadores da lei aprovada pelo Congresso.

Estadão
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