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Mauricio de Sousa se emociona ao falar de filho e diz que discute personagem gay com roteiristas

Em entrevista à BBC News Brasil, cartunista falou ainda sobre a representação de grupos minoritários em seus quadrinhos e sobre livro que está lançando com 'proposta diferenciada' focando na defesa do meio ambiente

27 out 2021 - 10h05
(atualizado às 10h32)
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Cartunista diz que há estudos em andamento para a criação de um personagem gay na Turma da Mônica
Cartunista diz que há estudos em andamento para a criação de um personagem gay na Turma da Mônica
Foto: Caio Gallucci/ Divulgação / BBC News Brasil

Com 86 anos completados nesta quarta-feira (27/10), o mais famoso quadrinista brasileiro não para de mirar para o futuro. Mauricio de Sousa, o pai da Turma da Mônica, lança o livro Sou Um Rio, um verdadeiro manifesto em defesa do meio ambiente às vésperas da COP-26, a conferência sobre mudanças climáticas que começa neste domingos, dia 31, em Glasgow, no Reino Unido.

Em conversa com a BBC News Brasil, realizada via Skype na última sexta, ele se diz "fortemente decidido" a arregaçar as mangas e emprestar seu talento para cada vez mais se posicionar como uma voz ecologista. E garante estar preparado para as críticas, nesses tempos de polarização intensa em que defender a natureza costuma ser visto como uma postura de oposição a governantes como o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

No novo livro, a famosa turminha de personagens que o consagrou não estará presente. Para ele, o assunto é sério demais para brincadeiras. "A decisão foi estratégica. A Turma da Mônica, entrando com aquele clima todo, brincadeiras, humor, iria desviar a atenção do leitor, principalmente o leitor criança, o jovenzinho. Iria desviar do foco que é cuidar do meio ambiente. Isso é uma coisa que eu queria deixar bem na cara do leitor, com ilustrações também não escandalosamente lindas, bonitas, coloridas, mas adequadas [ao tema]", afirma.

"Eu não podia botar a Turma da Mônica toda alegrinha, alegrinha, porque ela não pode deixar de ser alegrinha, num livro onde eu queria colocar uma proposta diferenciada", argumenta.

A obra foi distribuída antecipadamente a todos os confrades de Mauricio na Academia Paulista de Letras (APL), entidade da qual ele é membro desde 2011. "Fiquei muito orgulhoso porque o livro foi elogiado. Os acadêmicos, todos eles, escritores e literatos, pegaram o livrinho e disseram: 'nossa, que caminho você tomou agora, que beleza, faça mais assim…'. Eu fiquei muito orgulhoso de mim mesmo", diz o quadrinista.

"O que está acontecendo com nosso planeta é um escândalo. Realmente, a gente está ficando assustado com esse negócio de o mar cheio de plástico, os incêndios, a Amazônia sendo devastada, o Pantanal secando… Isso é o fim do mundo. O que que é isso? E o que está faltando para começar a acontecer um retorno nesse negócio todo?", preocupa-se Mauricio.

Para ele, a resposta está na melhoria da educação. Ele defende melhoria na estrutura das escolas, professores mais respeitados e melhor remunerados. "Conhecimento, realmente. E nós estamos com falta de conhecimento, de bons métodos de ensino… A conscientização do ser humano, do homem e da mulher, vem do comecinho da vida", acrescenta.

E que noções de preservação ambiental sejam ensinadas desde a tenra idade. "Quando faz dois anos já está precisando começar a ouvir coisas sobre o meio ambiente, o cuidado com a natureza, o cuidado com o mato, a mata, a água, com o próprio corpo. Está tudo meio esquecidão, a pessoa não está entendendo bem, principalmente numa pandemia como essa que desmoronou uma série de conceitos e tudo o mais. É assustador", comenta.

Sou Um Rio parte das reminiscências da infância de Mauricio de Sousa, um menino que nasceu em Santa Isabel e cresceu em Mogi das Cruzes, no interior paulista. Ele recorda do "meu Tietê limpo, onde nadava e ia pescar". E compara com "nosso Tietê hoje, uma nojeira quando passa por São Paulo".

"Depois, lá adiante, depois que pega uns vegetais que comem a sujeira, comem a poluição, o rio fica mais limpo de novo. A maioria dos rios está contaminada. Pior ainda, os garimpos jogam produtos que envenenam os peixes, a invasão dos garimpos na Amazônia é mais uma facada na água que era limpa", diz ainda.

"Eu não estou doentiamente preocupado [em fazer coisas em prol do meio ambiente], eu estou fortemente decidido. É diferente. Vamos continuar fazendo isso e usando nossas armas todas. Armas no bom sentido, que são os personagens, a retórica, a maneira de fazer livrinhos como este que vão pingando, pingando a informação para o pessoal, sensibilizando", manifesta-se.

Ideologias, democracia e Jair Bolsonaro

No Brasil polarizado de hoje em dia, defender o meio ambiente é pedir para ser tachado de oposição ao governo de Jair Bolsonaro. Mauricio sabe onde está pisando. Mas, mantendo a postura que construiu ao longo de sua longa carreira — a de não se posicionar politicamente —, pisa com cuidado, como se fosse um Cascão procurando as pedras certas para atravessar um riacho sem se molhar.

Contudo, falar de meio ambiente não é também se expressar politicamente? "Você pode entender dessa maneira. A política de guerra não me atrai. A política de conjugação, de alguma maneira, que deve ser positiva porque também informativa, ter seus objetivos humanitários, sociais, um monte de objetivos… A política não é uma coisa ruim", explica ele.

"O pessoal é que está entendendo mal o uso de algumas áreas políticas… Nessas horas eu prefiro voltar para a Turminha da Mônica. Faço brincadeiras para desanuviar a cabeça do pessoal, e até das crianças que ficam na frente da televisão vendo desde cedo algumas coisas que não estão entendendo bem", desconversa. "Ou estão entendendo de alguma maneira. Vamos ter de falar de educação muito também. Não só de meio ambiente. Vamos falar de educação também."

Mauricio promete, contudo, se manter firme na defesa de seu discurso mesmo se atrair hordas de haters nas redes sociais. Aí, para ele, a questão tem outro nome: democracia e liberdade de expressão. "Eu simplesmente vou ignorar [críticas pelo seu posicionamento em defesa do meio ambiente]", enfatiza. "Eu tenho meus princípios aqui e as pessoas também têm seus princípios. Estamos em um momento em que a gente tem de respeitar muito a democracia, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, e tudo o mais. Eu vou usar minha liberdade para falar o que eu acho que é importante."

De olho nas discussões que devem ser travadas na Conferência da ONU sobre o Clima, a COP-26, ele acredita que lançar o livro agora é também somar sua voz nesse contexto. E diz que não quer parar de meter o bedelho na questão: no futuro, a Mauricio de Sousa Produções deve publicar mais e mais obras a respeito do tema. "É uma coisa que eu tenho de fazer", diz. "Quero ainda botar o Chico Bento no cinema falando nisso."

Minorias representadas

Trazer questões ambientais para suas obras não é necessariamente uma novidade. Mensagens do tipo vem aparecendo cada vez mais nas historinhas para crianças. É perceptível também o esforço em se incluir representantes de grupos minoritários, seja nos enredos, seja como novos personagens.

Mauricio diz que não existe um manual para que sua equipe trate dessas questões. Ativo em todo o processo, o manual é, de certa forma, ele mesmo. "Eu converso com o pessoal. Afinal de contas, estamos há 50 anos brincando de fazer histórias em quadrinhos e com bons resultados. Mais de meio século. Isso não existe no Brasil e no mundo. Por causa de uma linha filosófica que eu botei na nossa produção desde o início e que foi passando de desenhista para desenhista, de roteirista para roteirista, com o olho gordo do dono", argumenta.

"Eu falo muito para o pessoal. Oriento muito o pessoal. E tenho ao meu lado a Alice Takeda, minha mulher [e diretora de arte da Mauricio de Sousa Produções], que tem os mesmos pensamentos do que eu", conta. "Fizemos uma dupla que está incrivelmente unida na filosofia não só do meio ambiente mas também na filosofia comportamental da criançada e dos adultos que leem as nossas histórias."

Considerado seu alter ego, o personagem Horácio, cuja obra completa está sendo lançada em volumes especiais, resume bem esses princípios. "[Ele] espelha essas preocupações", diz Mauricio. "[Em suas tirinhas] tem racismo, tem alguma coisa ligada ao meio ambiente, tem a filosofia de vida dele. Que é muito legalzinho, bacana, faz o bem para todo mundo e se arrebenta de vez em quando, é a vida real."

Segundo ele, essa inclusão de minorias é um processo consciente e feito com muito planejamento. "Não veio de qualquer maneira, não. Chegou um dia em que eu me dei conta que eu fazia histórias baseadas na minha infância, e na minha infância havia diversos garotos, moleques que jogavam bola comigo e que tinham algum tipo de deficiência. A gente brincava e brigava do mesmo jeito. Estava faltando na minha história esse lado que eu vivi e que estava esquecendo", comenta.

"Comecei a estudar os tipos de deficiência que havia e fui criando personagens. Para isso, tive de estudar muito, convidar crianças e jovens para que me falassem sobre como eles resolviam seus problemas, como um cadeirante atravessava a rua, quais cuidados tinha de ter a menina cega… Me deparei com um grupo ativo, corajoso, bem-humorado, resolvendo problemas. E tudo isso eu pude passar com meus personagens", relata. "Tudo para não botar nas minhas histórias preconceitos que, sem querer, a gente pega desde criança e arrasta na vida da gente. Pega desde criança e gruda maldosamente na gente. Foi uma coisa planejada. Tudo isso está na minha cabeça rolando."

Embora ele comece enfatizando os deficientes, não é o único grupo a ganhar destaque. Caso emblemático é da personagem Milena, uma criança negra que faz sucesso grande desde que foi lançada, em 2019. "Ela é a personagem que mais estourou no lançamento", confirma Mauricio. "Agora em dezembro vamos lançar o segundo filme [live-action] da Turma da Mônica ['Turma da Mônica: Lições'] e a Milena será uma das estrelas. Está todo mundo apaixonado pela Milena. E acho que no cinema vai acontecer o que já está acontecendo com as histórias em quadrinhos."

De acordo com o quadrinista, "não há limite" para criar personagens assim. "Depende de coragem, tempo, vontade e foco", resume.

Futuro personagem gay

Não é de hoje que ele vem sendo provocado com a ideia de um personagem homossexual. Se no universo da Turma da Mônica os personagens infantis não são sexualizados, alguém com tal orientação poderia aparecer na Turma da Mônica Jovem, por exemplo. Ou, considerando a turminha original, tal grupo minoritário poderia ser representado pelos adultos — por exemplo, com um personagem sendo filho de um casal gay.

Ideias do público não faltam mas sempre Mauricio procura tratar o tema com cautela. Desta vez, ele falou mais abertamente sobre o eventual projeto. "Vem vindo aí… Estou esperando um pouquinho que esteja cada vez mais aceita a posição do gay, principalmente. Eu tenho um filho, bem, que se assume [homossexual] e eu adoro meu filho [Mauro Sousa, diretor de espetáculos, parques e eventos da Mauricio de Sousa Produções]. Ele cuida de uma parte tão importante [da empresa], que é a de shows e espetáculos. E dá um nó no pessoal que já tem mais idade e mais experiência", comenta.

"Estamos discutindo isso, sim. Estamos discutindo com os roteiristas, com o Mauro, com o pessoal próximo da gente aí para que haja um personagem positivo. Em todos os sentidos", completa. E então, visivelmente emocionado, começa a falar do filho. "Afinal de contas, quando eu tomei café uma vez com o Mauro e o marido dele, abri a janela, né?", lembra. O quadrinista postou uma foto tomando café com o casal, em maio de 2019, em sua conta no Instagram. "Porque aí as pessoas viram que eu estou junto com meu filho", contextualiza.

Com a voz um pouco embargada, Mauricio diz que quando Mauro revelou a ele a orientação sexual a notícia foi recebida de forma "natural".

"Em casa foi natural", repete. "Eu acho que [para ele também], pelo que ele falou. Ele se abriu comigo também. E nos entendemos muito bem, sempre. Com meus filhos eu me entendo sempre muito bem. Esse caso foi meio diferente mas também foi uma experiência muito interessante e agradável, porque é a porta da vida e da felicidade. Realização também."

"Não pode haver obstáculos para sensações. É uma maneira, uma atitude, é uma palavra que me foge agora…", hesita, como que medindo as palavras. "De comportamento… Também não é comportamento, me foge a palavra. Mas de qualquer maneira, acho que todos nós temos o direito de viver o que nos é agradável, necessário e nos faz bem. Mas, principalmente, se faz bem para mais de um, é melhor ainda. Acho que foi uma experiência muito boa para mim também."

A reportagem lembra a Mauricio que em 2017, quando foi entrevistado pelo programa Roda Viva, da TV Cultura, a resposta que ele deu à pergunta sobre um possível personagem homossexual foi bem mais reticente. Podemos avaliar que houve uma mudança pessoal de postura? "Aprendemos todo dia. Com os relacionamentos da gente. Não só com a família, mas com a sociedade, realmente a gente aprende todo dia. O aprendizado tem de ser legal para você, senão fica mal, fica pesando na cabeça", comenta.

Educação

Atento ao noticiário, não se furta a comentar, com seu inconfundível bom humor, notícias recentes. Vê semelhanças no atual movimento de turismo espacial com as aventuras de seu personagem Astronauta. "Lamento só que minha idade não me permite voar com esses corajosos", afirma. "Mas agora estão colocando um cara com mais de 90 anos [o ator William Shatner, que interpretou Capitão Kirk na série Star Trek]. Então quero cuidar da minha saúde porque, de repente, com mais de 100 anos estou lá olhando a Terra de cima. Por que não?"

Mas o papo fica sério quando ele critica a qualidade da educação pública brasileiro. Fala com a autoridade de quem acabou, ainda que não fosse essa intenção, "alfabetizando" gerações de brasileiros com seus gibizinhos. "Minha briga com a educação formal no Brasil, governamental, minha briga é velha. Não concordo com algumas coisas que são colocadas no currículo e não sou especializado nisso. Mas em primeiro lugar deviam pagar melhor os professores, tratar melhor os professores. Em segundo, ter mais cuidado, até físico, com as escolas", aponta.

"É ridículo a gente ver o estado, às vezes, como algumas escolas estão funcionando, recebendo os alunos. Depois ainda veio essa porcaria de pandemia que aqui ou ali afastou as crianças da escola, vão perder um ano, dois anos, três anos de vida intelectual. Um absurdo o que está acontecendo", comenta. "Temos de brigar pela educação adequada, correta, com objetivo, com foco e tudo o mais. Eu quero ajudar, colaborar. Dar a força que temos de comunicação. Eu quero das as mãos para a educação formal, para que a gente possa ajudar também nisso."

Mauricio tem consciência de que as histórias em quadrinhos podem ser a porta de entrada para o mundo da literatura. "Eu aprendi a ler com gibi. Minha mãe me ensinou a ler no gibi. E nunca mais parei, porque eu comecei a ler no gibi, depois de algum tempo, o pessoal precisa entender, depois de algum tempo que você lê gibi você quer ler alguma coisa mais profunda", diz. "Aí você entra no livro, no livrão, no clássico e tudo o mais. Aí entra em outros idiomas também para ler os livros. É uma magia. A leitura é uma magia, contagia e leva a gente adiante para o objetivo que você quiser. É um caminho sem volta, felizmente."

Pandemia e a reconstrução do mundo

Na entrevista com a BBC News Brasil, Mauricio estava em sua casa na zona oeste de São Paulo. É de lá que tem trabalhado desde o início da pandemia de covid-19.

"Toda essa tragédia também trouxe um aprendizado de sobrevivência. Não só de sobrevivência por causa da doença. Mas sobrevivência social. É um aprendizado social, familiar. Tanto que em alguns aprendizados há divórcios, em alguns há aproximação", avalia.

"No meu caso, felizmente, está muito aproximado. Eu e minha mulher criamos alguns hábitos que não tínhamos, tomamos café da tarde juntos, brindamos quando vamos almoçar, jantar. Agradecemos pela comida, por tudo o que está acontecendo, pela segurança que temos e tivemos até agora, com todos os cuidados."

"Um dos mais notáveis [aprendizados] é você trabalhar de casa. No meu estúdio, os artistas trabalham sozinhos, ninguém trabalha em dupla. Aí [quando a pandemia chegou ao Brasil] todo mundo foi trabalhar em casa. E a produção aumentou. [As pessoas] economizaram três, quatro horas de trânsito", analisa ele. "Meu estúdio agora é um estúdio vazio. Lindo. Mas vazio. Agora está começando a onda de poder voltar aos poucos, com os cuidados devidos. Sigo duvidando que todos queiram voltar ao estúdio, porque muitos se acostumaram com a vida caseira. Eu estou aguardando o que vai acontecer. O que quer que aconteça, nós vamos nos adaptar. Eu tenho de me adaptar também, como presidente da empresa."

Esquiva-se, entretanto, de comentar a atuação do presidente Jair Bolsonaro, criticado internacionalmente, frente à pandemia. "Estou acompanhando logicamente tudo isso que está acontecendo. Leio dois jornais, todas as revistas semanais, estou bem informado. Mas prefiro, principalmente em um veículo de comunicação, não entrar nesse assunto", tergiversa.

No pós-pandemia, prevê uma "corrida para reformarmos o mundo".

"Eu estou nessa também", promete. "Estarei com minha pazinha lá. Ou jogando uma tinta legal na parede do mundo. Eu acredito que depois dessa sova que a gente levou do destino, as pessoas vão se humanizar um pouco mais, vão ter mais cuidado com a saúde, ensinar para as crianças e os jovens alguma forma de comportamento mais cuidadoso. Acho que vai haver uma reforma, um cuidado maior. Porque a surra que a gente levou foi muito forte."

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