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Meus tombos em casa ensinaram que a acessibilidade pode proteger idosos e pessoas com deficiência

Conversei com especialistas da AACD e da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) sobre os acidentes de de Agnaldo Rayol e do presidente Lula, os motivos das frequentes ocorrências desse tipo e a importância da prevenção.

5 nov 2024 - 12h06
(atualizado às 12h37)
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O risco de idosos e pessoas com deficiência sofrerem acidentes dentro da própria casa é constante, principalmente porque, em ambiente mais íntimo, há um relaxamento natural da atenção para detalhes que ampliam os perigos, especialmente de sofrer uma queda e bater com a cabeça em móveis, pedras e até no chão.

Restrições cada vez mais presentes na minha mobilidade, provocadas pela polineuropatia de Charcot-Marie-Tooth, e a ausência de recursos para minha segurança dentro da minha casa, sobretudo no banheiro, já resultaram em quedas, machucados, torções, contusões, inclusive durante o banho. Tenho 53 anos e, há algum tempo, passei a tomar muito mais cuidado, retirei itens que multiplicavam os riscos e investi em equipamentos como barras nas paredes, uma bengala e um par de muletas.

O Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), vinculado ao Ministério da Saúde, estima que, entre idosos com 80 anos ou mais, 40% sofram quedas todos os anos. E a Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que um milhão de idosos no planeta fraturam o fêmur, 600 mil somente no Brasil, 90% destes casos causados por quedas.

A morte de cantor Agnaldo Rayol, aos 86 anos, nesta segunda-feira, 4, e os ferimentos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de 79 anos, em 19 de outubro, ambos provocados por uma queda no banheiro da própria casa, ampliam o alerta a respeito da importância de haver muito mais acessibilidade e segurança nas residências e, principalmente, de não superestimarmos nossas capacidades físicas nem subestimarmos as ameaças, e da atenção de familiares sobre esses processos.

Conversei com especialistas - Marco Rudelli, médico ortopedista do Hospital Ortopédico da AACD, e Alessandra Tieppo, geriatra e diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) - para compreender melhor esses riscos, suas consequências e as possibilidades de proteção para gente idosa ou com deficiência.

Afinal, por que isso acontece com tanta frequência? É fruto de negligência do idoso e da pessoa com deficiência? É o custo elevado que impede as instalações da acessibilidade? É a dificuldade de encontrar o recurso correto? É a ausência de cuidados por outras pessoas? Quais mecanismos, inclusive psicológicos, podem apoiar idosos e pessoas com deficiência nas decisões sobre investimentos em acessibilidade e segurança pessoal?

"As quedas em pacientes idosos muitas vezes são acompanhadas de fraturas por fragilidade e traumatismos cranioencefálicos. Fraturas da região do quadril em idosos estão entre as principais causas de mortalidade nessa faixa etária. A elevada frequência está relacionada com enfraquecimento muscular, alterações osteodegenerativas ou neurológicas, dificuldades visuais, além de fatores ambientais de acessibilidade que facilitem a mobilidade desses pacientes", diz Marco Rudelli, da AACD.

"Embora orientações sejam amplamente conhecidas, pode haver barreiras práticas, emocionais e financeiras, como negligência ou resistência pessoal, custo elevado de adaptações, dificuldade de acesso a serviços de qualidade, ausência de cuidadores ou suporte familiar, promoção do autocuidado como fortalecimento de independência, apoio psicológico para aceitar limitações, sensibilização dos familiares e cuidadores", afirma Alessandra Tieppo, da SBGG.

Para o médico ortopedista da AACD, precisamos saber dos riscos. "Apoio e prevenção envolvem investimento em acessibilidade, adaptação do ambiente domiciliar e de convívio, prática de atividades físicas que estimulem os sistema musculoesquelético e cognitivo, acompanhamento médico para tratar condições que aumentem o risco de queda e fraturas, como osteoporose, síndromes demenciais, alterações oftalmológicas e nutricionais, e campanhas de conscientização dos riscos de queda", defende Marco Rudelli.

A diretora da SBGG ressalta que o investimento em segurança e acessibilidade para idosos e pessoas com deficiência requer não apenas recursos materiais, mas também apoio psicológico e motivação social. "Reforçar que essas medidas promovem independência e qualidade de vida, com incentivos e orientações práticas, pode ajudar a superar barreiras e a reduzir acidentes", diz Alessandra Tieppo.

Orientações da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)

Fatores Contribuintes para as Quedas

Negligência ou resistência pessoal: Muitos idosos e pessoas com deficiência resistem à ideia de modificar a casa ou usar dispositivos de apoio. Isso pode ser por uma sensação de autonomia e independência, que, para eles, seria afetada. Alguns podem também não querer se ver como "vulneráveis".

Custo elevado de adaptações: Instalar equipamentos como barras de apoio, pisos antiderrapantes ou melhorar a iluminação exige um investimento financeiro significativo. Esse custo muitas vezes é proibitivo, especialmente para quem depende de aposentadorias ou auxílios limitados.

Dificuldade de acesso a serviços de qualidade: Em algumas regiões, é difícil encontrar fornecedores confiáveis para adaptar a casa, e isso desmotiva a busca por soluções. Muitas famílias enfrentam ainda a burocracia para obter apoio financeiro ou subsídios governamentais.

Ausência de cuidadores ou suporte familiar: Algumas pessoas vivem sozinhas ou dependem de familiares que nem sempre têm tempo ou conhecimento sobre a importância de tornar o ambiente seguro, o que aumenta o risco de acidentes.

Mecanismos Psicológicos e Sociais de Apoio

Promoção do autocuidado como fortalecimento de independência: Explicar que as adaptações são formas de manter a independência e prevenir situações de maior dependência pode motivar muitos a investir em segurança. Psicólogos e assistentes sociais podem ajudar a reforçar a ideia de que prevenir acidentes não diminui a autonomia, mas a prolonga.

Apoio psicológico para aceitar limitações: Muitas vezes, o maior desafio é a aceitação de que o corpo e as habilidades mudam com o tempo. O apoio psicológico pode ajudar a pessoa a entender que pequenas adaptações não representam fraqueza, mas sim uma forma de autocuidado e dignidade.

Sensibilização dos familiares e cuidadores: Para muitos, a segurança do idoso é também uma questão de responsabilidade familiar. Campanhas de conscientização podem educar os familiares sobre o papel que têm em garantir um ambiente seguro e de respeito. O envolvimento ativo da família na escolha das adaptações, quando possível, também ajuda na aceitação por parte do idoso.

Políticas de subsídios e incentivo financeiro: Subsídios para adaptações em residências e a criação de linhas de crédito com juros baixos para esse tipo de investimento são fundamentais. Esse apoio financeiro torna a acessibilidade mais viável e pode motivar a aplicação das mudanças.

Ferramentas Práticas e Sociais de Motivação

Educação em segurança doméstica e física: Oficinas comunitárias para idosos e seus familiares sobre prevenção de quedas e os benefícios das adaptações podem sensibilizar e esclarecer dúvidas.

Participação em grupos de apoio e redes sociais: Grupos de apoio com outros idosos ou pessoas com deficiência que passaram por adaptações podem ser um incentivo. Compartilhar experiências facilita a aceitação e o entendimento das vantagens.

Apoio governamental para instalação e orientação gratuita: A criação de programas que ofereçam consultoria gratuita em residências para identificar melhorias e auxiliem com a instalação dos equipamentos pode ter grande impacto na redução de quedas.

Medidas Preventivas Gerais

Avaliação de saúde: Consultas regulares para verificar saúde geral, equilíbrio e visão são fundamentais. Deficiências visuais, problemas auditivos e falta de equilíbrio aumentam o risco de quedas.

Medicamentos: Alguns medicamentos podem causar tontura ou sonolência. Verifique com o médico se os remédios que a pessoa idosa usa têm efeitos colaterais que possam afetar o equilíbrio.

Exercícios físicos: Atividades que fortalecem os músculos e melhoram o equilíbrio, como pilates, caminhada e fisioterapia, são recomendadas.

Iluminação adequada: A casa deve estar bem iluminada, especialmente em áreas de circulação, como corredores e escadas. Use luzes noturnas para ambientes como o banheiro e o quarto.

Ambientes livres de obstáculos: Evite móveis baixos e objetos espalhados no caminho, como tapetes soltos ou fios elétricos, que possam causar tropeços.

Tapetes e pisos: Evite tapetes soltos ou escorregadios. Prefira tapetes antiderrapantes ou retire-os. Certifique-se de que o piso esteja seco e, se possível, use pisos antiderrapantes nos banheiros e áreas molhadas.

Barras de apoio: Instale barras de apoio em banheiros e corredores. Nos banheiros, um banco de banho pode ajudar a pessoa a se sentar durante o banho, evitando escorregões.

Escadas: Coloque corrimãos em ambos os lados das escadas e certifique-se de que os degraus tenham superfícies antiderrapantes.

Calçados apropriados: Use calçados com solado antiderrapante e que se ajustem bem aos pés. Evite chinelos soltos e sapatos com salto.

Atenção ao terreno: Observe sempre o chão ao caminhar para evitar buracos, degraus ou superfícies escorregadias. Tenha cautela em terrenos desnivelados.

Bengalas ou andadores: Se necessário, use bengalas ou andadores que ofereçam segurança adicional. É importante que estejam na altura certa e sejam estáveis.

Atenção ao clima: Em dias chuvosos, use guarda-chuvas que permitem boa visibilidade e prefira andar em locais com cobertura para evitar pisos escorregadios.

Evitar movimentos bruscos: Levantar-se lentamente ao sair de uma posição sentada ou deitada ajuda a evitar tontura.

Foco e atenção: Caminhar com calma e focar no caminho evita quedas. Evitar distrações, como uso de celular enquanto caminha.

Estadão
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