A Amazônia é mulher
Vocês já notaram que, assim como a Mãe Terra, floresta e Amazônia são palavras femininas?
Para nós, povos indígenas, todo dia é Dia da Amazônia. E deveria ser assim para todo mundo. O 5 de setembro foi instituído em 2007 e escolhido por ter sido o dia da criação da Província do Amazonas, durante o reinado de Dom Pedro II, em 1850.
Nada mais distante de nossa realidade hoje. Mas, como se dizem por aí, o que vale é a intenção e a ideia da data é conscientizar a população sobre a importância da floresta para o planeta. Que isso aconteça antes que seja tarde demais: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 17% de Amazônia já desapareceram. Desse total, 300 mil km² foram desmatados nos últimos 20 anos – sendo que só durante o atual governo foram 31 mil km². Estamos chegando perto do chamado ponto de inflexão (calculado entre de 20% a 25%), quando ela perderá sua capacidade de regeneração.
Vocês já notaram que, assim como a Mãe Terra, floresta e Amazônia são palavras femininas? Elas não são apenas os úteros que dão origem à vida, como os seios e cordões umbilicais que alimentam uma quantidade incalculável de seres vivos. Mesmo a fauna e a flora marinha se nutrem dela. Um exemplo recente: os recém-descobertos Corais Amazônicos, localizados na foz do Amazonas e que abrigam centenas de espécies – muitas delas ainda não descritas pela ciência – recebem nutrientes do maior rio do mundo. Sem a floresta, esse rico ecossistema simplesmente não existiria. Quem tem o dom de gerar vida em seu próprio ventre lhe dá mais valor. Talvez por isso, de alguns anos para cá as mulheres estejam cada vez mais envolvidas na luta do movimento indígena.
Nomes como Sonia Bone Guajajara, candidata à vice-presidência da República na última eleição, foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista “Time”; Txai Suruí, que brilhou ao representar o Brasil na COP-26; Alessandra Korap Munduruku, que ganhou o prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos; e a deputada Joênia Wapichana, um dos nomes mais respeitados da Câmara Federal, entre muitas outros que ajudaram a fazer a voz dos povos originários brasileiros ser cada vez mais ouvida e respeitada no mundo inteiro.
A gente preferia levar nossas vidas em paz, de acordo com os costumes de nossos antepassados, em nossas terras ancestrais; mas percebemos que é preciso ocupar cada vez mais espaços, “aldear” todo o país. Por isso, este ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) está lançando 84 candidaturas ao Congresso Nacional e a assembleias legislativas de 20 estados; dessas, 16 são femininas.
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, tanto por sua extensão territorial quanto pela sua rica biodiversidade: são mais de 600 tipos diferentes de habitats (terrestres e aquáticos), com cerca de 45 mil espécies de plantas e animais vertebrados. Toda essa riqueza ocupa aproximadamente 6,7 milhões de km², sendo que 60% desse total se encontra em território brasileiro.
Mas não é só a Amazônia, enquanto ecossistema fundamental para a regulação do clima do planeta que corre o risco de desaparecer, mas também centenas de povos com saberes únicos, dos quais toda a Humanidade poderia usufruir. A região enfrenta diversos apagamentos — linguísticos, científicos e históricos — e seus habitantes sofrem violências físicas e simbólicas constantes. Se forem extintas, essas culturas também vão fazer muita falta ao mundo. Aliás, cultura também é uma palavra feminina.