Ministério da Saúde quer investigar vítimas de estupro caso optem pelo aborto legal
Material foi produzido pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas
Em 8 de maio desse ano, a Secretaria de Atenção à Saúde Primária do Ministério da Saúde publicou a sexta edição da Cartilha da Gestante. Médicos afirmam que documento naturaliza procedimentos considerados violência obstétrica (com incentivo à realização de episiotomia e manobra Kristtler, métodos já abolidos pela Organização Mundial da Saúde) além de ocultar informações relevantes para as gestantes.
Nesta semana, foi lançado o manual de Atenção Técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de Abortamento, editada pelo secretário nacional de Atenção Primária, Raphael Câmara. Em um dos pontos, o manual afirma que as mulheres que optarem pelo casos previstos em lei, poderão ser investigadas.
Na página 14 do manual, a mensagem é explícita: “Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido”.
No Brasil, a lei permite a interrupção da gravidez em três casos específicos: risco de morte para a gestante; gravidez de anencéfalo; gravidez decorrente de estupro. A gestante que estiver em um desses três casos tem direito de realizar gratuitamente o aborto legal por meio do SUS (Sistema Único de Saúde).
Se tratando de gravidez que ponha em risco a vida da mulher ou feto anencéfalo não há limite de semanas de gestação para realizar o procedimento. Em caso de abuso sexual o tempo limite são 20 semanas de gestação, ou 22 caso o feto pese menos de 500 gramas.
Nos casos de estupro, a legislação não exige que a mulher apresente provas ou boletim de ocorrência atestando que foi vítima de abuso sexual para realizar o procedimento.
Com o novo manual, as mulheres vítimas de estupro terão que lidar com mais um momento doloroso. Levando em consideração que apenas 30% desses crimes são notificados e que apenas 3% dos criminosos são punidos, a vítima irá passar por mais uma camada de violência.
Em outro trecho do manual, existe a recomendação de tentar persuadir a mulher vítima de violência a não realizar a interrupção da gravidez. “No caso de gravidez decorrente de estupro, antes de proceder à interrupção da gravidez, a equipe multidisciplinar responsável pelo atendimento da vítima deverá informar sobre a existência do programa entrega legal ou voluntária, que possibilita à mulher levar a gestação a termo e, após o nascimento, entregar a criança para adoção”, “(…) Na verdade, essa alternativa de entregar o bebê para adoção tem o fim de preservar a vida do feto, independentemente das circunstâncias em que ocorra a gestação (…)”.
Se uma mulher grávida quiser entregar aquele filho para adoção, e sem sofrer sanções ou represálias, há uma lei que garante isso. O direito da entrega da criança é previsto na Lei Federal nº 12.010/2009, conhecida como Nova Lei Nacional de Adoção, desde que a entrega seja feita junto à Vara da Infância e Juventude ou maternidade. No entanto, apesar de ser um direito da mulher, a entrega legal é cercada de problemas, que vão desde o preconceito e despreparo dos profissionais que lidam com essas mulheres, passando pela desinformação e até questões na forma como a lei foi construída.