Morte de Paulo Vaz expõe riscos à saúde mental de homens trans
Morte de ativista ocorreu após ataques transfóbicos e discursos de ódio nas redes sociais
Em sua nota de pesar nas redes sociais pela perda do influenciador e policial trans Paulo Vaz, divulgada na segunda-feira (14), a ONG Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) finaliza o post com um alerta: "cuidar da saúde mental é um compromisso diário que devemos manter, especialmente as pessoas trans". A morte de Paulo, conhecido por Popó Vaz, segue sob investigação e acontece um dia após o vazamento de um vídeo íntimo de seu marido, Pedro HMC, fazendo sexo oral em outro homem. O episódio rendeu uma enxurrada de comentários transfóbicos nas redes sociais, muitos feitos por pessoas LGBTQIA+, e trouxe à tona a urgência de um debate em torno dos cuidados com a saúde mental de homens trans.
Os dados são alarmantes. Um estudo norte-americano divulgado em 2018 na revista Pediatrics avaliou os índices de suicídio entre adolescentes no período de 2012 a 2015. Os resultados mostraram que o recorde de casos de suicídio está entre os homens trans. A pesquisa, conduzida pelo professor Russell B. Toomey, da Universidade do Arizona, mostrou que os números ultrapassaram os dos outros grupos estudados, chegando a mais de 50%. No Brasil, o relatório do projeto intitulado Transexualidades e Saúde Pública no Brasil: entre a Invisibilidade e a Demanda por Políticas Públicas para Homens Trans, de 2015, apontou que 28,6% dos homens trans já pensaram em suicídio. O estudo foi realizado pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Para o psicólogo Hamilton Kida, fundador da Rainbow Psicologia, primeira empresa de profissionais de psicologia voltada à população LGBTQIA+, independentemente da causa mortis de Paulo Vaz, é preciso lembrar que, em suas palavras, pessoas trans precisam "matar um leão por dia". "Gays e lésbicas têm identidades ainda marginalizadas, mas que são reconhecidas como existentes. É diferente de pessoas trans, que seguem na invisibilidade. Basta lembrar que há dez anos, por exemplo, não se falava em transexualidade", diz.
Ainda conforme Hamilton, críticas e piadas como as que aconteceram envolvendo Popó escancaram os preconceitos envolvendo o machismo na própria comunidade LGBTQIA+. "Entre os comentários que destinaram a ele, muita gente opinou que o marido procurou outro porque Paulo era um homem trans, portanto sem pênis. Isso revela o falocentrismo, que relaciona o pênis a um símbolo de poder e dominação. Essa é a raiz do machismo que também ataca as mulheres", comenta.
Na opinião do psicólogo e educador sexual Breno Rosostolato, que participou do livro Saúde LGBTQIA+ — Práticas de Cuidado Transdisciplinar (Ed. Manole), a vulnerabilidade dos homens trans frente aos próprios conflitos e ao machismo intrínseco à sociedade resultam em muita dor no consultório. "Eles são extremamente vulneráveis diante da estigmatização, exclusão e transfobia. Há uma incidência enorme de sintomas de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade e pensamentos suicidas", relata.
Contar com uma rede de apoio de pessoas queridas e confiáveis para compartilhar expectativas e angústias é fundamental para buscar uma saúde mental equilibrada. "Porém, não podemos negar que as redes sociais se converteram em espaços de ataque e exclusão, o que reforça a situação de fragilidade emocional", pontua Breno. "Infelizmente, o próprio presidente da República apoia e dá voz a esse tipo de atitude em vez de inibir o preconceito. Dessa forma, as pessoas se sentem autorizadas a falar qualquer coisa na internet, principalmente no Twitter, que virou terra de ninguém", endossa Hamilton, que argumenta que a sociedade precisa confrontar seus próprios radicalismos e crenças para que o mundo seja um lugar mais justo para as pessoas trans. "Elas são pessoas como quaisquer outras, mas se sentem diferentes e sofrem imensamente porque a sociedade as coloca nessa posição", observa.
Atenção! Em caso de pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida), que funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, por e-mail, chat ou pessoalmente. Confira um posto de atendimento mais próximo de você (clique aqui).