MPF cobra do Banco do Brasil ações para reparar apoio à escravidão
Ministério Público Federal considerou que instituição deve apresentar plano de trabalho concreto. Banco do Brasil informou que ações serão divulgadas em dezembro
O Ministério Público Federal (MPF) reforçou em audiência pública realizada na terça-feira, 22, a cobrança para que o Banco do Brasil apresente ações de reparação por sua participação na escravidão durante o Império (1822-1888). Desde que o MPF abriu inquérito sobre o caso em setembro de 2023, a única ação tomada pela instituição foi uma carta aos movimentos negros do Brasil com pedidos de desculpa.
Durante a audiência, o procurador dos Direitos do Cidadão Jaime Mitropoulos disse que o pedido de perdão e outras medidas simbólicas não bastam. O Ministério da Igualdade Racial (MIR) e o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) também estiveram na audiência.
Em dezembro de 2023, o MPF abriu uma consulta pública durante 60 dias para receber propostas sobre formas de reparação à população negra. Foram mais de 500 sugestões recebidas. Em agosto de 2024, o MPF recomendou ao banco e ao Ministério da Igualdade Racial que recursos fossem indicados para as ações de reparação e que fossem definidas quais seriam as medidas prioritárias.
Em agosto, começou novo prazo de 60 dias para que fosse indicado o valor a ser repassado para o Programa de Reparação/Pacto pela Igualdade Racial, previsto para ser lançado em 20 de novembro, para promoção de diálogos com a sociedade civil para definir pautas prioritárias e para a elaboração de um cronograma de ações para o biênio 2025/2026. Segundo o MPF, as "respostas à recomendação não foram claras sobre o seu acatamento", por isso a audiência pública foi convocada.
Entidades que participaram da consulta pública compareceram à audiência. Estiveram presentes o Movimento Negro Unificado (MNU), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil) e a Justiça Global. As entidades apresentaram propostas e fizeram reivindicações.
Durante a sessão, o Banco do Brasil, representado pelo consultor jurídico João Alves e pela gerente de Relações Institucionais, Nívia Silveira da Mota, reafirmou que a instituição realiza ações em busca da equidade racial. Segundo a gerente, dez diretorias estão elaborando o plano de ação.
Os representantes ressaltaram que algumas ações apresentadas pela sociedade civil não podem ser feitas pelo banco. Uma das propostas foi o pagamento de uma renda básica à população negra, mas a iniciativa dependeria de mudanças orçamentárias que devem ser autorizadas pelo Legislativo.
Segundo o consultor jurídico, em 4 de dezembro, um plano de ações possíveis será apresentado às autoridades. Porém, Alves ressaltou que as ações que não dependem do Banco do Brasil ou são impedidas pelas leis que regem a administração da instituição não serão consideradas no anúncio no fim de 2024.
A coordenadora de Ações Governamentais do Ministério da Igualdade Racial, Isadora de Oliveira Silva, disse que a pasta está comprometida em ouvir a sociedade, mas não tem um plano de ação para o caso.
Para a coordenadora-geral de Erradicação do Trabalho Escravo, Andreia Figueira Minduca, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o assunto é transversal e toca várias áreas da sociedade. O processo de reparação, segundo ela, deve trazer mais dignidade aos trabalhadores.
Assista à audiência completa:
Relembre o caso
Como mostrou o Estadão em setembro de 2023, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) abriu um inquérito civil público para investigar a participação do Banco do Brasil na escravidão e no tráfico negreiro durante o século 19. É a primeira investigação deste tipo no Brasil.
O inquérito nasceu da divulgação de uma pesquisa de universidades brasileiras e americanas. "O sistema bancário nacional se desenvolveu em meio a um ambiente onde já existia uma intensa e complexa circulação de capitais lastreada, em grande parte, pela escravidão e seus negócios", diz a pesquisa. O comércio de africanos estava proibido desde 1831, logo sua última geração já era livre juridicamente.