Mulher relata ter sido assediada durante processo seletivo: 'Só trabalha quem manda nude'
Prints da conversa mostram que recrutador também mencionou “teste do sofá” para contratação da candidata em uma loja do Rio de Janeiro
Uma mulher denunciou ter sido assediada durante um processo seletivo para trabalhar em uma loja. Conforme prints que ela apresentou à Justiça, o recrutador pediu “nudes” e também mencionou um “teste do sofá” para que ela conseguisse a vaga para ser funcionária do comércio, localizado em um shopping do Rio de Janeiro.
O caso ocorreu em 2019, quando a vítima tinha 19 anos. A mulher, além de denunciar o recrutador à polícia, moveu uma ação de indenização por dano moral contra o shopping, o comércio e o homem que a assediou sexualmente, que à época era sócio da loja. Em 30 de abril deste ano, a Justiça condenou os três a indenizarem a vítima em R$ 50 mil. Cabe recurso da decisão.
Conforme explicado ao Terra pelo advogado Marcus Malcher, que representa a vítima, naquele ano, quando buscava uma colocação no mercado formal de trabalho, ela fez seu cadastro no canal "Trabalhe Conosco" do Shopping Metropolitano Barra. Em seguida, entrou em contato com os números de WhatsApp do site que apareciam ter vagas de trabalho disponíveis, e recebeu retorno, por meio de mensagem, de um homem que falava em nome de uma das lojas do centro comercial.
Segundo relatado pela vítima, o recrutador se chamava Guilherme Aguiar e pediu algumas informações pessoais, como nome completo e disponibilidade de horário, marcando em seguida o horário de uma entrevista. Porém, de acordo com a mulher, logo depois, ao pedir maiores informações da loja, ela foi surpreendida com a mensagem recebida: "Manda nude".
A vítima teria ficado sem reação após ler o que homem mandou e rapidamente ele apagou a mensagem e desmarcou a entrevista. "Deixa pra próxima. Boa Sorte", conforme prints apresentados no processo. Ela, no entanto, o rebateu e ele respondeu: "Só trabalha quem manda nudes ou faz o teste do sofá". Desta vez, a candidata relata que conseguiu printar o que foi escrito antes que ele apagasse novamente.
O que dizem as defesas
No processo, a defesa do rapaz nega que ele tenha assediado a mulher e afirma que "as mensagens possuem evidentes falsificações, e, em breve pesquisa realizada através do Google, foram encontrados pelo menos quatro programas de edição e montagem de conversas no WhatsaApp". O Terra tenta contato com a advogada que o representa.
À reportagem, o advogado Marcus Malcher, que representa a mulher, afirma que ela procurou à polícia logo após o ocorrido, o que reforça que ela não teria mentido sobre o assédio. Segundo ele, para a vítima, a condenação pelos danos morais significa uma forma de reparação e também de punição ao recrutador.
"Por que ele apagou as mensagens? Se ele não escreveu aquilo, o que escreveu? E outro ponto importante, [minha cliente] foi logo após o ocorrido na delegacia. Ninguém vai inventar uma história dessa. E ela é uma pessoa muito simples, mora em uma comunidade do Rio, e buscava apenas conseguir um emprego fixo", diz ele.
Malcher também acrescentou que orienta que, em casos como esse, outras possíveis vítimas sempre coletem as provas do ocorrido e procurem a polícia para denunciar o caso. "Acredito que ele não faria isso com outra pessoa que ele achasse que tivesse melhores condições financeiras. Como minha cliente é uma pessoa simples, acredito que ele quis se aproveitar ao ver que ela era muito humilde e que precisava do emprego. Então acredito que, além do assédio sexual, também há uma questão social aí", disse o advogado.
Já o shopping explicou no processo que, apesar de fornecer a plataforma para a divulgação de vagas em seu sistema, não tem o controle das mensagens que podem ser trocadas, sendo estas de inteira responsabilidade da loja que anuncia a vaga. O centro comercial também alegou que sequer tinha conhecimento das mensagens trocadas, e apenas tomou conhecimento dos fatos quando o marido da candidata entrou em contato com o serviço de atendimento ao cliente.
À Justiça, o shopping também alegou ter prestado suporte à vítima e ao seu marido, fornecendo todas as informações e apoio necessários para solução do caso.
O Terra tentou contato com a loja por meio de e-mail e pelas redes sociais do estabelecimento, mas não obteve nenhum retorno.
Em nota enviada à reportagem, o Shopping Metropolitano Barra afirmou que repudia qualquer tipo de assédio ou violência, ressaltando ainda, que apenas divulga oportunidades de emprego disponibilizadas pelos lojistas em seu site, e, portanto, não tem acesso a quaisquer mensagens trocadas entre os envolvidos. Acrescenta, ainda, que confia integralmente na Justiça.
Homem já havia sido condenado pelo crime
Logo após o ocorrido, a vítima procurou à Delegacia da Mulher e processou criminalmente o homem que a assediou. Ele foi condenado a dois anos de prisão, porém, aceitou trocar a pena por distribuição de cesta básica.
Segundo o Ministério Público, a medida trata-se de um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), que, conforme determina a lei, é cabível em crimes cometidos sem violência ou grave ameaça e com pena inferior a quatro anos, com anuência das partes.
O que determinou a Justiça
Em decisão da 7ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), a Justiça destacou que "analisando-se os fatos aqui devidamente comprovados, conclui-se que os mesmos extrapolaram a esfera do simples aborrecimento, eis que, à toda evidência, ocasionaram grande constrangimento e situação aflitiva à autora, restando evidente o nexo causal".
Dessa forma, a Justiça determinou a condenação do shopping, da loja e do homem, à título de dano moral, em R$50 mil, valor que deve ser pago à vítima.