Mulheres decidem assumir os cabelos brancos apesar da pressão da sociedade
A cada dia mais mulheres decidem manter os fios grisalhos, ainda vistos por muitos como um sinal de desleixo, decadência do corpo ou doença. Veja também como elas cuidam dos fios platinados
"Que mulher linda!" Não faltam elogios às fotos da maquiadora Gislaine Pimentel, de 45 anos, no seu perfil do Instagram, Grisalha Natural (@grisalheieagora), com 11 mil seguidores. Dona de longos cabelos brancos, ela conta que muitas pessoas mandam mensagem - ou até a param na rua - para perguntar sobre os cuidados que ela tem com os seus fios platinados.
Percebendo a demanda do mercado publicitário por pessoas grisalhas, ela começou a trabalhar como modelo. "Gosto de estar em evidência como modelo e intensificar essa influência de que é possível ser quem você é, com o cabelo natural, sem a química", diz.
Na sociedade brasileira, em geral, ainda há preconceito contra a mulher que assume seus cabelos brancos, na percepção de Gislaine. "Infelizmente, associam o cabelo branco ao desleixo e à falta de cuidado da mulher. Hoje me aceitam, mas quando resolvi parar de pintar os meus cabelos, em 2014, ouvi pessoas dizerem que eu não podia fazer isso", lembra. Para Gislaine, o cabelo branco representa a liberdade. "É ótimo poder ser como eu sou, natural. Mas essa é uma atitude minha, que não quero impor a outras pessoas", pondera.
Atrizes, modelos no Brasil e no mundo há alguns anos apontaram a tendência, que se intensificou na pandemia por conta do isolamento social. O cabeleireiro Gil Scawia, que trabalha na rede Jacques Janine, em São Paulo, percebe esse aumento de interesse das suas clientes em assumir os cabelos brancos nos últimos anos, mas ao mesmo tempo um medo de parecerem "velhas".
"Mesmo com a inspiração das mulheres famosas, o cabelo grisalho ainda está restrito mais às mulheres que trabalham com moda, arte, e que sejam muito seguras de si", observa. "Aqui no Brasil, o homem grisalho é considerado charmoso, mas a mulher de cabelos brancos é vista como descuidada", avalia.
Quando uma cliente quer fazer a transição para o visual grisalho e fica incomodada com o visual do cabelo só com a raiz branca, Scawia sugere o uso de chapéus, lenços e outros acessórios, enquanto espera que ele cresça para cortar e deixar a sua cor uniforme. "Mas a mulher brasileira costuma ser imediatista e geralmente pede para fazer mechas platinadas. Nesse caso, para causar menos danos eu recomendo que sejam feitas em etapas, intercaladas por reconstrução capilar."
A fase de transição para o cabelo grisalho da dona de casa Elizabete Castro Antunes, de 43 anos, foi mais demorada do que ela esperava. Ela parou de pintar o cabelo em setembro de 2018 e foi fazendo os cortes nos seus cachos para diminuir a diferença da cor da raiz para as pontas dos fios, mas, no fim de 2019, a tintura ainda não tinha sido completamente eliminada.
"Como sou desencanada, deu certo. Mas o mundo inteiro me criticou. Escutei que aquilo me envelheceu 10 anos, que eu estava louca. Teve até um senhor que eu não conhecia, numa fila do supermercado, que disse que eu não tinha idade para ter esse cabelo", conta. Com apoio do marido e da mãe, ela seguiu em frente. "Comecei a publicar fotos no Instagram, para mostrar que estava ficando bom", recorda a dona de casa.
A partir daí, Elizabete, mais conhecida como Bete, passou a cuidar mais de sua aparência, a caprichar na maquiagem e nas roupas. "Comecei a usar mais salto, roupa justa, ganhei autoestima. Comecei a receber dúvidas de mulheres interessadas em fazer a transição para o grisalho", explica ela, que hoje tem 17 mil seguidores no seu perfil no Instagram.
Nas suas publicações, ela fala dos cuidados que tem com os cachos platinados, que considera "rebeldes". "Toda semana faço um tratamento de umectação. Cuido para não usar secador em excesso, uso protetores térmicos e um chapéu quando saio ao sol", ressalta.
Antes de assumir os fios brancos, além de tingir os cabelos, Bete alisava com a escova progressiva. "Comecei a me incomodar com o cheiro dos produtos químicos e resolvi parar de alisar. Na sequência, achei que deveria parar de pintar os cabelos também." Bete começou a tingir seus cabelos brancos com 20 anos. "Puxei à minha mãe, que tem cabelo branco desde nova."
GENÉTICA
A genética é um dos fatores que influenciam a idade de surgimento dos cabelos brancos, afirma a dermatologista e tricologista (especialista em cabelo) Juliana Annunciato. "Para ter uma ideia da idade em que você terá cabelos brancos, veja se você puxou a textura e o tipo de fio do seu pai ou da sua mãe e pergunte com quantos anos eles ficaram grisalhos, pois provavelmente será igual para você", ensina.
Outro fator que influencia o surgimento dos brancos é a qualidade de vida. Padrão de sono ruim, má alimentação, tabagismo e estresse aceleram o branqueamento dos cabelos. "Teve gente que percebeu o aumento de cabelos brancos durante a pandemia e isso se deve ao estresse", esclarece.
A dermatologista explica que doenças agudas como a covid-19 também podem dar um "susto" no melanócito, célula que produz a melanina, pigmento usado no cabelo. "O melanócito suspende temporariamente a produção de melanina. Por isso, alguns pacientes com covid-19 ficaram com uma faixa de cabelo branco que depois voltou a escurecer", observa.
Mas, com o avanço da idade e o envelhecimento celular, o que ocorre é que esses melanócitos diminuem a produção de melanina e morrem, sendo substituídos por queratinócitos, que produzem a queratina, proteína que dá resistência a unhas, pele e cabelo. "Por isso o cabelo branco costuma ser mais rígido e grosso", analisa Juliana. Mas ela esclarece que, nesse caso, não há como reverter o processo de branqueamento dos cabelos.
Quando chegam os cabelos brancos, outros problemas decorrentes da idade também podem ter impacto nos fios, como alterações hormonais e uso de remédios. Com isso, os fios podem ficar ainda mais fragilizados - embora isso não prejudique o bulbo, que é a fábrica do cabelo. "Como a química agride os fios, é uma boa escolha deixar os brancos naturais", garante a dermatologista.
A bancária Gabriela Medeiros, de 38 anos, ficou cansada de visitar o cabeleireiro para retocar a tintura nas raízes dos fios a cada 20 dias. "Criei até repulsa de ir ao salão e comecei a pintar em casa, mas fazia a maior sujeira", destaca. Seus primeiros fios brancos chegaram quando ela tinha 15 anos e eram arrancados um a um. Há três anos, resolveu que não ia pintar mais, mas não tinha referências de como fazer essa transição para o visual grisalho. "Ninguém me apoiava nem me ajudava."
CRÍTICAS
Decidiu, então, ir pelo caminho mais rápido e radical: "Fui ao barbeiro e raspei tudo. Senti um alívio imenso ao pensar que não teria mais de pintar o cabelo". Enquanto deixava o cabelo branco crescer, choviam críticas. "As pessoas diziam que eu havia envelhecido, que tinha ficado ridículo. Comecei então a caprichar na maquiagem e a usar brincos grandões." Os comentários maldosos e olhares persistem, mas ela afirma que hoje não liga mais. "Com isso, aprendi a me valorizar e me amar pelo que sou", conclui Gabriela.
Para deixar o cabelo bonito, ela tem o cuidado de protegê-lo do sol e evita o uso de chapinha e secador. "O calor deixa o cabelo amarelado", adverte. Para corrigir a cor, ela usa um xampu matizador. "Fica um branco bonito, cor da neve", analisa. O xampu ou máscara matizadora contém um pigmento azul, que não fica permanente no cabelo, adianta o cabeleireiro e tricologista Tharik Bonomo. "Esse pigmento deixa o cabelo em um tom moderno, mas ele sai na próxima lavada", avisa.
No seu salão e no seu consultório, o tricologista vê casos de mulheres que passam a ter lesões no couro cabeludo por causa de alergias desencadeadas pelo uso frequente de tintura. "Elas optam pelo visual grisalho pensando na saúde do couro cabeludo e na beleza dos fios." Para suas clientes, ele explica a importância da qualidade de vida para que o cabelo cresça bonito. "Comer bem importa. Alimentos antioxidantes, ricos em vitamina B12, por exemplo, ajudam."
Os fios brancos exigem cuidados especiais, reforça Bonomo. Calor, vento, sol e mar podem fragilizar os cabelos brancos, que são mais porosos e perdem mais facilmente a hidratação. Por isso é preciso lançar mão de produtos que contenham óleos para proteger os fios, recomenda o tricologista.
Produtos com proteção térmica são indicados caso seja necessário usar secador ou chapinha, para evitar o ressecamento e amarelamento dos fios. "Se a mulher optar pelo alisamento, é preciso cuidado na escolha dos produtos usados, que podem alterar a cor do cabelo", aconselha.
NEGRA
Mônica Jorge, de 62 anos, dona de casa, não quer alisar os seus cabelos crespos nem pintar os brancos. Semanalmente, ela se dedica a fazer sessões de hidratação e umectação para tratar os fios e diz que o trabalho compensa.
No seu perfil do Instagram, ela procura ajudar mulheres que desejam fazer a transição para o grisalho, especialmente as mulheres negras. "A mulher negra que decidir assumir os brancos tem de estar bem decidida, pois a pressão é maior. Todo mundo diz que não vai ficar bom. É verdade que é mais difícil, por conta da textura do cabelo, mais poroso, mas se cuidar com carinho fica bonito", assegura.
Mônica escuta histórias de mulheres que enfrentam pressão para pintar o cabelo, como no ambiente de trabalho, mas percebe que há um movimento das grisalhas que se vem fortalecendo, embora lentamente. "Essas mulheres estão dando as mãos para mostrar que a sociedade não pode impor isso a elas", declara.
Com fios brancos desde os seus 35 anos, Mônica resolveu assumi-los em 2011. "Percebi que meu cabelo não aceitava mais a pintura. E eu tinha de retocar a tintura em poucos dias." Apenas a mãe e os filhos de Mônica apoiaram a decisão. "A sociedade não vê com bons olhos essa aceitação e faz críticas e cobranças. Havia momentos em que isso me deixava irritada ou desanimada, pois queria ver meu cabelo grisalho."
Ultrapassadas as barreiras, Mônica só vê vantagens. "É ótimo ter a liberdade de ir a uma festa sem ter de se empenhar em manter o cabelo. Além disso, há o benefício financeiro, pois manter o cabelo pintado sai caro." Acima de tudo, ela se vê como uma mulher dona de si, que não precisa "se camuflar" para agradar a ninguém. Diante do espelho, ela aprova o visual. "Acho que o cabelo branco iluminou o meu rosto. Me gosto mais assim."
O que é indicado para manter os fios grisalhos
- Capriche na hidratação ou na umectação para dar mais maleabilidade ao cabelo, já que os fios brancos tendem a ser mais rígidos.
- Dê preferência a xampus que ajudam a tirar o tom amarelado dos fios. O matizador costuma ter um pigmento azulado, que deixa um tom mais acinzentado, mas quando usado em excesso pode deixar o cabelo roxo.
- Prefira os xampus e cremes transparentes ou brancos, pois os pigmentos dos produtos podem deixar os fios brancos amarelados.
- Abuse de chapéus e lenços, caso se sinta desconfortável durante a transição para o visual grisalho. Procure perfis nas redes sociais para se sentir unida a outras pessoas que passam pela mesma situação, de forma a se blindar de comentários negativos.
- Faça mechas claras (reflexos) e descoloração, se a ideia for pular a etapa da transição para o visual grisalho. Mas é preciso saber que isso enfraquece os fios. Caso sua escolha seja ir por esse caminho, os especialistas indicam que seja feito em etapas, com cuidados na reconstrução dos fios nos intervalos.
- Evite expor o cabelo ao sol. Use acessórios ou produtos para o cabelo que contenham protetor solar.
- Evite o uso de chapinha e de secador, pois o calor pode danificar os fios brancos, que são mais frágeis. Se quiser usálos, não se esqueça de aplicar antes um protetor térmico.
- Invista na sua qualidade de vida: ter um bom sono, praticar exercícios físicos, evitar estresse e ter uma alimentação de qualidade se refletem na beleza da pele e do cabelo.