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Mulheres estão ficando mais 'bravas'? O que mostram 10 anos de pesquisa

No Brasil, quase seis em cada 10 mulheres disseram ter se sentido estressadas durante grande parte do dia anterior, em comparação com pouco menos de quatro em cada 10 homens

8 dez 2022 - 06h19
(atualizado às 08h29)
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Pesquisa entrevista mais de 120 mil pessoas em mais de 150 países
Pesquisa entrevista mais de 120 mil pessoas em mais de 150 países
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um levantamento anual do instituto de pesquisa Gallup indica que mulheres em todo o mundo estão ficando mais bravas nos últimos 10 anos. Mas por que isso está acontecendo?

Dois anos atrás, Tahsha Renee estava de pé em sua cozinha quando foi tomada por uma sensação incontrolável de raiva — ela acabou dando um grito a plenos pulmões.

"A raiva sempre foi uma emoção fácil de explorar", diz.

Mas Tahsha nunca havia sentido nada igual.

Foi no meio da pandemia e ela estava farta. Passou os 20 minutos anteriores andando pela casa listando em voz alta tudo o que a deixava com raiva.

Mas depois do grito ela sentiu uma intensa liberação física.

Tahsha, uma hipnoterapeuta e life coach, desde então tem reunido mulheres de todo o mundo no zoom para falar sobre tudo o que lhes dá raiva e depois extravasar.

De acordo com um levantamento da BBC de 10 anos de dados da Gallup World Poll, as mulheres estão ficando mais irritadas.

Todos os anos, a pesquisa entrevista mais de 120 mil pessoas em mais de 150 países, perguntando, entre outras coisas, que emoções elas sentiram durante grande parte do dia anterior.

Quando se trata de sentimentos negativos em particular — raiva, tristeza, estresse e preocupação — as mulheres relatam senti-los com mais frequência do que os homens.

A análise da BBC descobriu que, desde 2012, mais mulheres do que homens vêm relatando sentir tristeza e preocupação, embora isso tenha aumentado para ambos os gêneros.

No entanto, quando se trata de raiva e estresse, a diferença com os homens está aumentando. Em 2012, ambos os sexos relataram raiva e estresse em níveis semelhantes. Nove anos depois, as mulheres estão mais irritadas — por uma margem de seis pontos percentuais — e também mais estressadas. E houve uma variação particular na época da pandemia.

Isso não surpreende a terapeuta americana Sarah Harmont. No início de 2021, ela reuniu um grupo de pacientes do sexo feminino para gritarem juntas.

"Sou mãe de dois filhos pequenos e trabalhava em casa. Sentia uma frustração intensa e profunda que estava se transformando em raiva total", diz ela.

Um ano depois, ela entrou em campo novamente. "Esse foi o grito que viralizou", diz ela. Foi captado por um jornalista em um dos grupos online de sua mãe participava e, de uma hora para outra, Sarah passou a receber telefones de repórteres de todo o mundo.

Ela acredita que tocou em algo que as mulheres de todos os lugares estavam sentindo, uma intensa frustração de que o fardo da pandemia estava caindo desproporcionalmente sobre elas.

Uma pesquisa de 2020 com quase 5 mil pais em relacionamentos heterossexuais na Inglaterra descobriu que as mães assumiram mais responsabilidades domésticas durante o lockdown do que os pais. Como resultado, elas reduziram suas horas de trabalho. Isso acontecia mesmo quando elas eram as que mais ganhavam na família.

Em alguns países, a diferença entre mulheres e homens que dizem ter sentido raiva no dia anterior é muito maior do que a média global.

No Camboja, a diferença foi de 17 pontos percentuais em 2021, enquanto na Índia e no Paquistão foi de 12.

A psiquiatra Lakshmi Vijayakumar acredita que este é o resultado de tensões que surgiram à medida que mais mulheres nesses países se tornaram educadas, empregadas e economicamente independentes.

"Ao mesmo tempo, elas estão amarrados por sistemas e cultura arcaicos e patriarcais", diz ela. "A dissonância entre um sistema patriarcal em casa e uma mulher emancipada fora de casa causa muita raiva."

Todas as sextas-feiras à noite, na hora do rush em Chennai, na Índia, ela testemunha essa dinâmica em ação.

"Você vê os homens relaxando, indo a uma casa de chá, fumando. E você encontra as mulheres correndo para o ônibus ou estação de trem. Elas estão pensando no que cozinhar. Muitas mulheres começam a cortar legumes no caminho de volta para casa no trem."

No passado, diz Lakshmi, não era considerado apropriado que as mulheres dissessem que estavam com raiva, mas isso está mudando. "Agora há um pouco mais de capacidade de expressar suas emoções, então a raiva é maior."

O efeito da pandemia no trabalho das mulheres também pode estar causando impacto. Antes de 2020, havia um progresso lento na participação das mulheres na força de trabalho, de acordo com Ginette Azcona, cientista de dados da ONU Mulheres.

Mas em 2020 parou. Este ano, o número de mulheres no trabalho está projetado para ficar abaixo dos níveis de 2019 em 169 países.

Progresso para as mulheres?

Para marcar o 10º aniversário do BBC 100 Women, a BBC encomendou a Savanta ComRes que pedisse às mulheres em 15 países que comparassem o presente com 10 anos atrás.

  • Pelo menos metade das mulheres entrevistadas em cada país dizem que se sentem mais capazes de tomar suas próprias decisões financeiras do que há 10 anos
  • Pelo menos metade em cada país, exceto os EUA e o Paquistão, também acha que é mais fácil para as mulheres discutir consentimento com um parceiro romântico
  • Na maioria dos países, pelo menos dois terços das mulheres entrevistadas disseram que a mídia social teve um impacto positivo em suas vidas — nos EUA e no Reino Unido, porém, o número ficou abaixo de 50%.
  • Em 12 de 15 países, 40% ou mais das mulheres entrevistadas dizem que a liberdade de expressar suas opiniões é uma área em que sua vida mais progrediu nos últimos 10 anos
  • 46% dos entrevistados nos EUA acham que é mais difícil para as mulheres acessar o aborto medicamente seguro do que há 10 anos

"Temos um mercado de trabalho segregado por sexo", diz a autora feminista americana Soraya Chemaly, que escreveu sobre a raiva em seu livro de 2019, Rage Becomes Her (Raiva se torna ela, em tradução livre).

Ela vê muito do esgotamento relacionado à pandemia acontecendo em setores dominados por mulheres, como assistência.

"É um trabalho pseudo-maternal e mal pago. Essas pessoas registram níveis muito altos de raiva reprimida, suprimida e desviada. E tem muito a ver com a expectativa de trabalhar incansavelmente. E sem nenhum tipo de limite legítimo".

"Dinâmicas semelhantes são frequentemente encontradas no casamento heterossexual", diz ela.

Nos Estados Unidos, muito foi escrito sobre o peso da pandemia sobre as mulheres, mas os resultados da Gallup World Poll não indicam que as mulheres são mais raivosas do que os homens.

"As mulheres nos Estados Unidos sentem uma vergonha muito profunda pela raiva", pontua Chemaly, e podem ser mais propensas a relatar sua raiva como estresse ou tristeza.

Talvez por isso as mulheres americanas relatem níveis mais altos de estresse e tristeza do que os homens.

Isso é verdade em outros lugares também. Muito mais mulheres do que homens disseram estar estressadas no Brasil, Uruguai, Peru, Chipre e Grécia.

No Brasil, mais especificamente, quase seis em cada 10 mulheres disseram ter se sentido estressadas durante grande parte do dia anterior, em comparação com pouco menos de quatro em cada 10 homens.

Bolívia, Peru e Equador também viram uma grande diferença entre os sexos. Na Bolívia e no Equador, quase metade das mulheres disseram ter se sentido tristes durante grande parte do dia anterior — 15 pontos percentuais a mais do que os homens.

A tendência das mulheres relatarem emoções negativas com mais frequência do que os homens remonta pelo menos a 2012 nesses países e em muitos parece estar piorando.

Mas Tahsha Renee acha que muitas mulheres nos Estados Unidos e em outros lugares já chegaram a um ponto em que podem dizer: "Chega!"

"De uma forma que está realmente facilitando a mudança. E elas estão usando sua raiva para fazer isso", argumenta.

"Você precisa de fúria e raiva", concorda Ginette Azcona da ONU Mulheres. "Às vezes você precisa disso para agitar as coisas e fazer com que as pessoas prestem atenção e ouçam."

Metodologia

A Gallup faz um levantamento anual com mais de 120 mil pessoas em mais de 150 países e áreas, representando mais de 98% da população adulta mundial, usando amostras representativas nacionalmente selecionadas aleatoriamente. As entrevistas são realizadas presencialmente ou por telefone. A margem de erro para os resultados varia segundo o país e a pergunta. Quando os tamanhos das amostras são menores, por exemplo, ao dividir um conjunto de respostas por sexo, a margem de erro será maior. Tabelas de dados completas para a pesquisa Gallup de 2021 podem ser baixadas aqui.

Savanta ComRes entrevistou 15.723 mulheres com mais de 18 anos online no Egito (1.067), Quênia (1.022), Nigéria (1.018), México (1.109), EUA (1.042), Brasil (1.008), China (1.025), Índia (1.107), Indonésia (1.061), Paquistão (1.006), Arábia Saudita (1.012), Rússia (1.010), Turquia (1.160), Reino Unido (1.067) e Ucrânia (1.009) entre 17 de outubro e 16 de novembro de 2022. Os dados foram ponderados para serem representativos de mulheres em cada país por idade e região. A margem de erro para os resultados de cada país é de +/- 3. Tabelas de dados completas podem ser encontradas aqui.

O BBC 100 Women nomeia 100 mulheres inspiradoras e influentes em todo o mundo todos os anos.

BBC 100 Women logo 2022
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Foto: BBC News Brasil

Jornalismo de dados por Liana Bravo, Christine Jeanavans e Helena Rosiecka. Com reportagem de Valeria Perasso e Georgina Pearce

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