"Mulheres indígenas são banalizadas e vulgarizadas", diz ativista
Uma das organizadoras da III Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece este mês em Brasília, Lucimara Patté expõe expectativas para evento
Cinco mil mulheres indígenas de todos os estados do Brasil, além de ativistas de outros países, são aguardadas para a III Marcha das Mulheres Indígenas que acontece entre os dias 11 e 13 de setembro em Brasília (DF). Coordenado pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), o evento tem como objetivo marcar a luta feminina entre os povos originários e deve contar com a partipação da ministra Sonia Guajajara.
Uma das principais lideranças da ANMIGA à frente da Marcha é Lucimara Patté, 32 anos, do povo Xokleng, cofundadora da entidade. Formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela também atua na Assessoria de Gabinete da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão responsável por promover a atenção primária à saúde e ações de saneamento aos povos indígenas, por meio da execução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos.
Em entrevista ao Terra NÓS, Lucimara Patté explicou a relevância da III Marcha das Mulheres Indígenas no contexto atual, revelou o que acha da gestão Lula até agora e abordou o machismo que sua comunidade vivencia. Hoje, 5, Dia Internacional da Mulher Indígena, é uma ocasião propícia para entender a relevância do que ela tem a dizer.
Quais são as expectativas para a III Marcha das Mulheres Indígenas?
Estamos aguardando mais de 5 mil mulheres indígenas representando os seis biomas e os 26 estados do Brasil, que se reunirão no Complexo Cultural Funarte. Serão delegações dos mais diferentes povos como Xingu, Kaingang, Guarani-Kaiowá, Guajarara e Pataxó, entre outros, e também teremos convidadas internacionais vindas da Malásia, dos Estados Unidos, da África do Sul, dos Estados Unidos e até da Rússia, entre outras nações. O tema da edição é "Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais" e pretende dar visibilidade a todos os biomas, não só o da Amazônia, que é o mais falado nacional e internacionalmente. Nossa ideia é reforçar que a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pampa e o Pantanal também merecem proteção e atenção. Além disso, também serão abordadas pautas de política, violência de gênero e saúde mental e temas envolvendo a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28).
A descrição do evento cita também as mulheres negras e quilombolas? Quais lutas elas têm em comum com a população indígena?
Elas são nossas parceiras por conta das violências sofridas pelos nossos corpos nos campos e nas grandes cidades. Nossas reivindicações são parecidas; no caso das quilombolas, envolve também a luta por demarcação de territórios. E é claro que mulheres de todas as etnias são bem-vindas na Marcha.
Como é o seu trabalho na Sesai?
Minhas ações são voltadas para trabalhos que visam o fortalecimento das medicinas tradicionais dos povos originários e sua aplicação nas comunidades indígenas. Um assunto que, até o momento, tinha sido negligenciado porque não contávamos com a presença de indígenas em instituições como a Sesai, a exemplo do secretário Ricardo Weibe Tapeba. Isso faz toda a diferença.
Qual é a sua avaliação do governo Lula até o momento?
Em 9 meses de mandato, acredito que, em parte, ele tem cumprido as propostas que havia feito em relação aos povos originários. Com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, os debates sobre políticas públicas voltadas à nossa população têm voltado. Porém, em se tratando de demarcação de territórios, a gestão presidencial tem deixado a desejar, pois apenas seis foram demarcados até o momento, menos da metade do esperado. Nossa pauta principal é essa, pois território não demarcado é garantia de violação de direitos e destruição da mata. E isso tudo dá brecha para devastação de biomas, invasão de terras, assassinatos de lideranças e violação de corpos.
O medo da violência é algo constante entre as mulheres indígenas?
Completamente. Somos vítimas de visões estereotipadas e de uma sociedade machista em que os homens sempre vão ser beneficiados. Culturalmente, nossos corpos são desrespeitados e não aceitam nossa liberdade de pensar, agir e ser. Mesmo em comunidades onde estamos inseridas somos tidas como fúteis, banais, nos chamam de prostitutas. Somos vistas como as mulheres que não precisam ouvir, nem falar.
Como será o show "A Cura do Mundo Somos Nós", que faz parte da programação da Marcha?
A ideia é fazer um momento de fortalecimento com apresentações de mulheres indígenas que farão rituais de cura espiritual e do corpo. Nos últimos quatro anos, a intolerância religiosa com as nossas práticas aumentou muito. Em territórios onde a questão da evangelização entrou com muita força, nossos rituais de cura foram demonizados. No sul do Brasil, de onde vim, o preconceito é ainda maior e as tentativas de colocar as nossas crenças nos espíritos da natureza como erradas continuam. Então, para as mulheres, a Marcha será a ocasião de reafirmar nossas culturas e práticas.