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"Mulheres são minoria nas ciências e isso nunca é fácil", diz astrônoma brasileira

No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, Duília Fernandes de Mello comenta desafios e conquistas na carreira

11 fev 2023 - 05h00
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"A melhor forma de resolver os episódios machistas nas ciências é a sororidade", diz Duília
"A melhor forma de resolver os episódios machistas nas ciências é a sororidade", diz Duília
Foto: Reprodução/Instagram / Reprodução/Instagram

Para celebrar o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, comemorado hoje, Terra NÓS convidou a astrônoma Duília Fernandes de Mello - conhecida como Mulher das Estrelas - para falar um pouco sobre sua trajetória, o papel da mulher nas ciências e como é possível combater o sexismo e o machismo na área. Duília nasceu em Jundiaí (SP), cresceu no Rio de Janeiro e começou a se interessar por Astronomia quando ainda era criança, no final da década de 1970.

Após concluir o Ensino Médio, ingressou no curso de bacharelado em Astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde começou a se dedicar à astrofísica extragaláctica. Aos 59 anos, mora nos Estados Unidos, tem uma bem-sucedida carreira acadêmica e atua como pesquisadora. Ela carrega na bagagem realizações extraordinárias, como a descoberta da Supernova SN 1997 e das Bolhas Azuis, conhecidas como "orfanatos de estrelas" por darem origem a estrelas fora das galáxias. Estas duas realizações não só a encheram de orgulho, como ainda serviram de base para vários outros estudos e pesquisas.

Como é a sua rotina de trabalho hoje?

Sou professora titular do Departamento de Física da Universidade Católica da América, em Washington, e dou aulas de Astronomia um semestre por ano. Também ministro um curso de Astronomia Básica para todos os alunos da universidade, não só os de ciências. Além disso, sou Vice-Reitora de Estratégias Globais da instituição. Recebo muitas visitas, essa semana mesmo recebi dois reitores de universidades da Austrália. Também faço pesquisas, dou palestras online e presenciais e escrevo artigos. Meu dia é sempre muito cheio.

Nos anos 1990, quando passou a viver nos Estados Unidos: Brasil também tem tradição em Astronomia
Nos anos 1990, quando passou a viver nos Estados Unidos: Brasil também tem tradição em Astronomia
Foto: Wikimedia Commons / Wikimedia Commons

Para astrônomos brasileiros o ideal é buscar uma carreira no exterior? Por quê? 

Não, porque o Brasil oferece oportunidades de carreira em Astronomia. Moro fora do Brasil por circunstâncias, vim fazer um pós-doutorado no Instituto Hubble, da Nasa, há 25 anos e casei. Meu marido é sueco e astrônomo também, por isso não moro no Brasil. A astronomia brasileira é muito boa e bastante competitiva, encontro com meus colegas brasileiros em toda parte do mundo. Mas é claro que precisaria ter mais investimento. Nos últimos quatro anos, houve uma defasagem nas bolsas de estudo, o que atrasou muito o desenvolvimento de pesquisas. Mas o Brasil, tem sim, tradição em Astronomia.

Você enfrentou episódios de machismo durante seus estudos? E ao longo da carreira? Como reagiu?

As mulheres são minoria nas ciências e ser minoria nunca é muito fácil. As pessoas não gostam daquilo que é diferente delas. Então, quando tem uma mulher em um grupo de homens, ela acaba sofrendo sexismo e machismo. Sempre tem aquele homem que quer lhe explicar aquilo que você sabe mais do que ele (risos). Tento lidar relativamente bem com isso, não ofendendo as pessoas e ao mesmo tempo impondo minha opinião. Minhas amigas também passam por isso e algumas já enfrentraram casos de assédio sexual. Eu nunca passei, mas é muito triste ver isso ainda acontecendo no mundo de hoje. A melhor forma de resolver esse tipo de situação é a sororidade. Em programas de mentoria, ajudo as mais jovens a desenvolverem resiliência para não desistirem no primeiro impacto. Temos que ser fortes. É bom também conhecer a comunidade feminina de ciências e indicar mulheres para dar palestras, participar de mesas-redondas, promovê-las.

Você fez várias descobertas incríveis em sua trajetória. Pode descrever o que sentiu em uma delas?

A mais emocionante foi a descoberta da Supernova 1997D. Fui a primeira pessoa a ver uma estrela que explodiu há 53,8 milhões de anos. Foi interessante, eu achava que não necessariamente ia passar por um sentimento de descoberta e passei. Quando caiu a ficha foi bem recompensador, pois a descoberta ocorreu numa época em que eu estava até esquecendo porque tinha virado astrônoma. Já era doutora, fazia um pós-doutorado no Observatório Nacional do Rio de Janeiro e fui ao Chile observar. Foi maravilhoso sentir novamente aquela curiosidade que eu tinha quando era criança.

Supernova SN 1997 descoberta por Duília de Mello em 14 de janeiro de 1997 durante uma observação no Chile
Supernova SN 1997 descoberta por Duília de Mello em 14 de janeiro de 1997 durante uma observação no Chile
Foto: Wikimedia Commons / Wikimedia Commons

Você foi incentivada na infância a seguir seu interesse por astronomia? Qual a melhor fala que escutou? E a pior?

Quando eu falava que queria fazer astronomia as pessoas não apoiavam muito, não. Falavam: "Você é maluca, ninguém sabe nem o que é isso". Muita gente confundia com Astrologia. Quando decidi seguir mesmo a profissão, fui impactada pela fala de dois professores enquanto fazia um cursinho preparatório de vestibular. Um, me falou uma coisa horrível; o outro intercedeu e falou uma coisa linda. O primeiro disse: "Ah, Duília, você vai fazer isso? Você é tão inteligente, por que não faz Engenharia? É nessa carreira que você vai ser um sucesso". Outro professor, de História, ouviu aquilo e disse: "Não fala isso pra menina, não, deixa ela seguir os sonhos e fazer o que quiser. Melhor ela ser uma astrônoma feliz do que uma engenheira frustrada". Isso me abriu o horizonte: eu decidi ser uma astrônoma feliz e é isso o que eu sou.

Se encontrasse hoje a adolescente que foi um dia, o que diria para ela?

Eu diria para ela não ficar muito ansiosa, não, que vai dar tudo certo. E para não desistir diante das barreiras encontradas.

O incentivo familiar faz diferença nos estudos e interesses de meninas, mas o que a sociedade ainda precisa fazer para abrir mais espaços para as mulheres nas ciências?

Os professores também têm que deixar as meninas voarem e se sentirem livres para escolher carreiras de ciências, além de jamais duvidarem da capacidade delas. Isso acontece muito, principalmente na área de Engenharia, escuto isso quase sempre das estudantes. Alguns docentes falam ao entrar na sala de aula: "Ih, mulheres, vão ser todas reprovadas!". Isso não pode acontecer em pleno século 21. A sociedade precisa lembrar disso o tempo inteiro e cuidar de toda estudante para que ela não desista e não seja desmotivada a seguir carreira em ciências. 

Você pensa em voltar a morar no Brasil? Tem família aqui?

Só tenho família no Brasil e a família do meu marido mora na Suécia. Somos só nós dois aqui nos Estados Unidos. Já quis voltar, mas não deu certo. É difícil retornar quando se faz uma carreira fora. O sistema acadêmico do Brasil é muito diferente dos Estados Unidos, então não deu. Quem sabe no futuro, para um cargo de liderança, mas isso não está na minha lista de planos de curto prazo.

Astrônoma é guardiã da Biblioteca Oliveira Lima, a maior biblioteca brasileira fora do Brasil
Astrônoma é guardiã da Biblioteca Oliveira Lima, a maior biblioteca brasileira fora do Brasil
Foto: Reprodução/Instagram / Reprodução/Instagram

O que você gosta de fazer nas horas vagas?

Eu adoro cozinhar. Cozinho todo dia, é parte da minha vida. Gosto bastante de viajar, estou sempre planejando uma viagem. Sou também a guardiã da Biblioteca Oliveira Lima, a maior biblioteca brasileira fora do Brasil e que fica na universidade, então faço muita coisa relacionada à História do Brasil. E eu sou caçadora de fósseis, já fui a muitos lugares procurá-los. Gosto de tudo o que tem mais de um milhão de anos!

O que a observação do universo tem a nos ensinar?

Sempre falo que o telescópio é uma máquina do tempo. Quando olhamos para as profundezas do universo, vemos o passado. Quando a gente olha para as estrelas do céu, vemos as mesmas estrelas que os nossos passados viram. Somos parte do universo e ele nos conecta. Somos feitos de estrelas, todos os elementos químicos nascem dentro das estrelas. Quando as estrelas explodem, elas lançam esses elementos químicos para o meio interestelar e depois formarão planetas, outras estrelas e até a vida. Não teria vida se não houvesse estrela.

Quem são as mulheres cientistas que você admira hoje?

Várias. Uma das minhas favoritas é uma astrônoma francesa Françoise Combes, de quem ouvi falar muito bem durante o meu doutorado. Hoje somos amigas. Meus docentes da UFRJ também foram incríveis e destaco ainda a professora Beatriz Barbuy, da Universidae de São Paulo (USP), que é maravilhosa.

Você tem alguma meta profissional que ainda não atingiu? Qual?

Está faltando chegar a ser reitora e presidente de universidade, fora isso, está muito bom.

Livro lançado por ela em 2009 descreve atividades da carreira e dá dicas para quem quer trabalhar com Astronomia
Livro lançado por ela em 2009 descreve atividades da carreira e dá dicas para quem quer trabalhar com Astronomia
Foto: Reprodução / Reprodução
Fonte: Redação Nós
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