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"Nosso lugar de fala é o autismo, mas a luta também é de outras pessoas neurodivergentes e com outras deficiências"

Entrevista com Flávia Marçal, advogada que integrou o grupo de trabalho do relatório técnico do Parecer 50, sobre ensino para autistas, homologado nesta quarta-feira, 13, pelo ministro da educação, Camilo Santana.

13 nov 2024 - 15h34
(atualizado em 18/11/2024 às 07h08)
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A homologação nesta quarta-feira, 13, do Parecer nº 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE) pelo ministro da Educação, Camilo Santana, é um respiro em meio a conflitos sobre o que é realmente positivo para estudantes autistas dentro da escola, mas não está nem perto de encerrar as várias divergências que estremecem qualquer conversa sobre esse tema.

Em entrevista a Vencer Limites, a advogada Flávia Marçal, integrante do grupo de trabalho do relatório do parecer 50, analisa o documento aprovado e destaca quais mudanças a homologação vai trazer de maneira imediata e no longo prazo.

Documento

Parecer nº 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado pelo Ministro da Educação e publicado no Diário Oficial da União de 13/11/2024, Seção 1, Pág. 67

Vencer Limites - Você ficou satisfeita com o conteúdo final do parecer?

Flávia Marçal - A aprovação do parecer 50 é um avanço significativo, considerando que o debate pacificou a necessidade de um olhar específico para este público. Esse era um dos pontos de divergência, já que muitos grupos consideravam que não seria adequado ter um parecer específico para estudantes com autismo. O parecer 50 cumpre, então, conforme descrito no relatório técnico que compõe o processo, a orientação do Comitê de Monitoramento da Organização das Nações Unidas, que reconhece desde 2016 um grupo de estudantes com deficiência com maior vulnerabilidade do que outros e dentre estes grupos vulneráveis estão os estudantes com autismo.

Além disso, o parecer 50 garantiu o planejamento educacional como um ponto fundamental para o avanço educacional, reconhecendo tanto o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) quanto o Plano Educacional Individualizado (PEI) como direitos educacionais de estudantes com autismo.

Foi um trabalho árduo de construção coletiva e de mobilização por mais de 330 dias que agora culmina com a reafirmação e avanço de direitos com aqueles que realmente querem ver um avanço e o diálogo acontecer.

Vencer Limites - Você participou do processo de reformulação que resultou no documento aprovado? O que provocou um enxugamento tão substancial?

Flávia Marçal - Todos os diálogos foram construídos de forma a alcançar um resultado consensual, técnico e com foco na garantia de direitos. A homologação efetiva o compromisso do ministro Camilo (da Educação) com entidades favoráveis ao parecer 50 em todas as suas versões.

Vencer Limites - Você pode ser mais técnica sobre como o parecer vai afetar a rotina dos alunos autistas nas escolas? Quais serão as mudanças mais importantes?

Flávia Marçal - O parecer orienta de acordo com a legislação vigente. Por isso, reafirma direitos a partir da perspectiva de acesso, permanência, participação e aprendizagem, e traz como elementos de mudança nas políticas públicas e nas escolas:

1- Reconhecimento dos estudantes com autismo como grupo vulnerável e mais suscetíveis à exclusão, gerando a responsabilidade estatal de atenção a este público. Na escola, isso pode significar projetos e ações de forma mais específica para este público.

2- Reconhecimento da importância dos planejanentos educacionais como referência, situação em que todos os estudantes com autismo devem possuir acesso ao estudo de caso, ao plano de AEE e ao PEI. Na escola, isso significa que todos os estudantes com autismo devem ter seu planejamento escolar devidamente garantido, de acordo com suas necessidades, habilidades e potencialidades individuais.

3- O estudante com autismo tem direito a este planejamento em diversos espaços educacionais e não somente na sala do AEE, tendo o professor regente uma proeminência relevante no parecer 50, inclusive na importância da capacitação destes professores. Na escola, isso mobiliza uma mudança de cultura para além do aluno ser 'aluno do AEE' e traz o debate sobre a importância da formação de professores no campo inclusivo.

4- A participação da família é reafirmada tanto no item referente a essa participação quanto na previsão do estudo de caso que embasa tanto o PEI quanto o PAEE. Na escola, essa orientação convida os pais e escolas a serem mais participativos e colaborativos.

5- Reafirmação da nota técnica 04/2014, que consta desde a primeira versão do parecer 50 sobre a dispensa do laudo médico para início das atividades do AEE. Na escola, isso poderá motivar acesso mais célere ao AEE e maior recebimento de recursos pelas escolas públicas por meio do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), inclusive não só pela apresentação do PAEE, mas também do PEI.

Vencer Limites - Qual é a sua expectativa mais racional sobre mudanças rápidas nesse cenário a partir do parecer homologado?

Flávia Marçal - Garantia do PEI e ampliação do acesso aos recursos do Fundeb na dupla matrícula das escolas públicas.

É importante lembrar que, com o parecer homologado, o próprio Ministério da Educação deverá utilizá-lo como referência técnica para todas as suas decisões, já que a homologação é o compromisso do próprio ministro com o cumprimento dessas orientações, não por força cogente, já que ele é orientativo, mas por compromisso político com a comunidade. Esta foi a informação apresentada pelo próprio ministério durante os diálogos com as entidades de defesa do parecer e a importância de que chegássemos a um consenso que permitisse a homologação do parecer.

Vencer Limites - O grupo favorável ao parecer planeja ações de aproximação com escolas e profissionais da educação para fazer valer no dia a dia essas orientações? Há alguma ação de conscientização para que essas novas diretrizes sejam realmente implementadas?

Flávia Marçal - Sim, já estamos com uma série de lives nesta semana, dois projetos de lei, ações no D20 e no G20, formação da rede TEA junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), entre várias outras ações da Coalizão Nacional Inclusiva pelo Autismo (Conia), que se formou a partir das entidades de defesa do parecer 50. Sabemos que o parecer 50 é apenas um passo nesse trabalho. Nossa luta seguirá firme e forte e buscaremos inclusive estreitar laços com outros membros da comunidade. Em que pese nosso lugar de fala seja a partir do autismo, a luta pelo PEI também é uma demanda de outras pessoas neurodivergentes e de outras deficiências. Estamos atentos a isso.

Estadão
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