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O abuso animal como forma de violência contra a mulher

Prática é comum, mas pouco denunciada. Maioria dos que agridem animais está envolvido em outros tipos de crimes violentos

18 jan 2023 - 14h00
(atualizado às 14h04)
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Parar de cuidar, prender no quintal, não permitir contato, violentar fisicamente ou abandonar são maneiras de abuso animal.
Parar de cuidar, prender no quintal, não permitir contato, violentar fisicamente ou abandonar são maneiras de abuso animal.
Foto: AzMina

A abordagem do abuso animal ainda é limitada quando tratamos de violência contra a mulher, mas essa prática pode ser mais uma forma de agressão contra as mulheres. Além de ataques físicos, morais, sexuais e patrimoniais, existe a violência psicológica, e é nesse cenário que a ameaça aos animais domésticos tem se tornado cada vez mais comum por conta da relação próxima entre pets e tutoras. 

Através do PenhaS – nosso aplicativo de enfrentamento à violência contra a mulher – o Instituto AzMina tem recebido diversas denúncias envolvendo os animais das vítimas. Nos últimos anos, muita gente passou a considerar os pets como parte importante da estrutura familiar. Sendo assim, atacar esses animais é um jeito de agressores atingirem mulheres.  

Parar de cuidar, prender no quintal, não permitir contato, violentar fisicamente ou abandonar são maneiras de abuso animal – e esses atos se juntam ao elemento primário da violência psicológica, causando dano emocional.

O Brasil possui cerca de 185 mil animais abandonados ou resgatados após maus-tratos, acolhidos em ONGs e grupos de protetores, segundo um levantamento feito em 2022 pelo Instituto Pet Brasil (IBP). Mas não há um levantamento oficial sobre os casos que estariam relacionados com a violência doméstica e familiar. 

Desde a década de 80, pesquisadores norte-americanos como Frank Ascione e Phil Arkow abordam a relação entre maus-tratos aos animais e violência contra pessoas. No Brasil, começou-se a estudar essa conexão na última década, e já há experiências que mostram que essas violências estão relacionadas aqui também. 

“As pesquisas indicam que entre 50% a 70% dos autores que cometem algum tipo de violência contra os animais estão envolvidos em outros delitos, sendo a maioria de natureza violenta”, conta Laiza Bonela Gomes, médica veterinária e pesquisadora da conexão entre as violências. Laiza também atua como coordenadora da Rede Lar em Paz, que articula instituições e indivíduos que trabalham contra a violência familiar praticada contra idosos, crianças, adolescentes, mulheres e animais. 

ONDE DENUNCIAR

A denúncia de abuso animal pode ser feita no site do Ministério Público Federal (MPF), pelo Disque 190 ou pelo 0800 061 8080. Outra opção é fazer um boletim de ocorrência contra maus-tratos animais, seja numa delegacia especializada, se existir no município, ou na delegacia de crimes comuns. 

Se for o caso, a vítima de violência deve fazer um boletim de ocorrência na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). E, se desejar, pode solicitar uma medida protetiva contra o agressor. Assim, afasta o homem de si mesma e do animal.

A Lei nº 9.605, sobre abusos ambientais, define maus-tratos contra animais como crime passível de prisão em flagrante com pena de detenção e multa. A Lei n.º 14.064 de 2020 (Lei Sansão) altera a legislação anterior para aumentar a pena de crimes contra cães e gatos. “É importante que a vítima produza provas”, indica a advogada Isabella Godoy Danesi, especializada no atendimento de mulheres vítimas de violência ou que têm animais vítimas de abuso (ela é também secretária da comissão de defesa dos animais de Ponta Grossa (PR) e fundadora da ONG Voz Animalista). 

Como provas valem fotos, vídeos da agressão, prints e gravações de conversas, áudios de ameaças e ligações, postagens em redes sociais, testemunhas e outras evidências. A denunciante pode ainda fornecer o endereço completo de onde ocorrem os maus-tratos e a narração detalhada dos fatos. O animal não precisa estar na delegacia. 

A RELAÇÃO COM O PET

Dados recentes sobre violência contra a mulher do Governo Federal apontam mais de 169 mil violações física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial registradas no Brasil. Hoje em dia, a desmoralização, as ameaças patrimoniais ou a tentativa de retirada da guarda dos filhos começam a ser mais percebidas na sociedade como elementos da violência doméstica. Os animais domesticados, que integram a família junto a crianças, mulheres e idosos, são, portanto, potenciais vítimas também. 

A advogada e pesquisadora Alessandra Ferreira Ribeiro, em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Animal (RBDA), aponta que, ao longo dos anos, houve uma transição na relação entre pets e humanos, que passou a representar um vínculo de companhia e convivência emocional.

Há um padrão nas ameaças em casos de violência doméstica, sempre usando estratégias para atingir a mulher. “Ele vai utilizar agora desse vínculo afetivo entre pets e tutoras para causar temor”, indica a advogada Isabella. Ela observa que homens têm cometido esse tipo de violência psicológica, ameaçando os animais, para as mulheres não irem embora de casa ou para fazerem o que eles querem, como uma forma de intimidar as vítimas. Em outros casos, a mulher é agredida em retaliação por algo que o animal fez e que desagradou o agressor. 

Muitas vezes, a mulher é tutora do animal – não só a proprietária, mas quem cuida e é a referência de afeto. A veterinária pesquisadora Laiza Bonela considera que os agressores se aproveitam dessa relação para coagi-las e ameaçá-las, impedindo que denunciem a violência, por exemplo. E isso ocorre porque a maioria dos abrigos para mulheres em situação de violência do Brasil ainda não aceita animais de companhia, de acordo com Laiza. “As mulheres permanecem em lares violentos porque não têm como levá-los”, explica.

Com a pandemia e o isolamento social em 2020 e 2021, ficou mais clara a relação do abuso animal relacionado à violência contra a mulher. “As ameaças cresceram nesse período porque todos ficaram trancados dentro de casa”, destaca Isabella Danesi, da ONG Voz Animalista. 

VIOLÊNCIA QUE NÃO É IDENTIFICADA

Apesar de perceberem o abuso animal como um fenômeno recorrente, há questionamentos sobre a falta de estatísticas e dados oficiais sobre a interseção dessas violências. “Se a mulher vai fazer um B.O. por violência doméstica e pede uma medida protetiva, perguntam sobre as crianças que compõem a família. Mas a autoridade policial não se atenta sobre os animais”, comenta a advogada Isabella.

O problema da identificação desses casos é a ausência do debate do animal como parte fundamental do núcleo familiar. Entretanto, falta também articulação da rede de enfrentamento de violências entre órgãos, como Ministério Público (MP), Patrulha Maria da Penha, Polícia Civil, Assistência Social, Vigilância Epidemiológica e Zoonoses. “Se identificam um caso de abuso animal na residência, outros órgãos podem ajudar a identificar situações de risco”, opina a médica veterinária Laiza. Ela reforça que a violência contra animais não ocorre de maneira isolada na sociedade, por isso é importante denunciar e dar visibilidade a esses crimes.

O Formulário Nacional de Avaliação de Risco, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça em 2020, conecta os dois tipos de violência. O documento serve para identificar o risco de nova agressão ou de feminicídio, além de ser um plano de apoio às mulheres que buscam ajuda no Sistema Judiciário. Dentre as 27 perguntas contidas no formulário, uma menciona expressamente o abuso contra animais. O documento avança na interseção das violências, pois mapeia a situação da vítima, do agressor e o histórico de violência na relação. O questionário funciona para diferentes serviços públicos da rede de enfrentamento, como unidades judiciárias, órgãos do MP ou delegacias e em instituições privadas.

Clique aqui e acesse a reportagem original.

AzMina
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