O que levou Gilberto Barros a ser condenado por homofobia? Especialistas explicam a lei
Apresentador foi condenado a 2 anos de prisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo
Na legislação, não existe especificamente o crime de homofobia no Brasil. Mas uma decisão do Supremo Tribunal (STF), em junho de 2019, equiparou a homofobia e a transfobia ao racismo no País. Com isso, a homofobia pode ser definida como prática, indução ou incitação a discriminação ou preconceito contra homossexuais, transexuais ou contra heterossexuais que eventualmente sejam identificados pelo agressor como LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais).
Conforme diz a lei de racismo, é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Desta forma, enquanto o Congresso não vota uma lei específica para a homofobia, as condutas homofóbicas e transfóbicas serão enquadradas nos crimes previstos, conforme determina o STF. Especialistas avaliam que a condenação do apresentador Gilberto Barros, que recebeu pena de dois anos, está de acordo com a lei.
O apresentador foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na última sexta-feira, 12, por incentivar e praticar homofobia, pena a ser cumprida em regime inicial aberto. Conforme a denúncia, em 9 de setembro de 2020, durante o programa transmitido pelo Youtube, ele praticou e induziu a discriminação e preconceito de raça, sob o aspecto da homofobia. A sentença também prevê o pagamento de 10 dias-multa e prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo da pena.
"O caso do apresentador foi levado à Justiça, pois o mesmo afirmou, durante programa transmitido no YouTube, que agrediria e vomitaria caso dois homens se beijassem na sua frente. Essa conduta está perfeitamente enquadrada como a exposta na lei. E não é o primeiro caso. Pode ter sido um dos primeiros na mídia, mas essa situação, infelizmente, é bastante comum no Brasil", afirmou Vitor Poeta, mestre em Direito, especialista em Processo Penal.
De forma geral, a homofobia é definida como uma série de sentimentos negativos ou atitudes, discriminatórios ou preconceituosos contra homossexuais. As penas variam de um a três anos na forma comum e de dois e cinco anos na forma qualificada, por exemplo, em caso de divulgação ampla da prática homofóbica em meios de comunicação, como publicações em redes sociais. Também é possível a aplicação de multa.
"É muito importante a condenação do apresentador Gilberto Barros Filho, pois ele ofendeu e incitou a violência contra casais homoafetivos ao dizer que se dois homens se beijassem na sua frente, ele vomitaria e bateria neles", afirma Paulo Iotti, advogado e um dos responsáveis pelo processo que levou à criminalização da homofobia no Brasil. "A condenação por crime de racismo homofóbico ajuda a consolidar o entendimento de que discursos homotransfóbicos são intoleráveis", diz.
"O fato de essa decisão ter sido proferida contra uma pessoa pública é um reflexo positivo ainda maior, já que na posição ocupada por ele existe uma clara influência sobre outras pessoas", afirma. Livia Moraes, especialista em Direito Digital e Presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual da OAB/SP - Subseção Butantã.
Para ela, não há espaço para uma defesa alegando que o apresentador não tinha a intenção de incitar a violência. "Ainda mais quando olhamos para um cenário de falas reproduzidas em um canal digital, que alcança milhares de pessoas, de todas as regiões do Brasil (e até de fora do País). A internet é um palanque, um grande auditório, que nesse caso foi utilizado para proferir ofensas homofóbicas", afirmou a especialista.
Na avaliação de Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), qualquer ato de discrição ou preconceito contra homossexuais pode ser considerado crime, desde que presentes todos os requisitos legais. "Impedir acesso a determinados locais, impedir a contratação, promover discursos que incentivem a discriminação ou o preconceito contra esse grupo, entre outras condutas discriminatórias", disse ele.
A representação contra Gilberto Barros foi feita pelo jornalista William de Lucca Martinez, também testemunha do caso. Martinez contou que o tema o tocou muito como homem gay. O depoente disse que costuma receber informações por redes sociais sobre situações desrespeitosas.
Por sua vez, a defesa do apresentador requereu a absolvição, por atipicidade da conduta. Nos autos do processo, Gilberto Barros confirmou sua fala, mas negou a acusação. O Estadão ainda não conseguiu contato com a assessoria do apresentador.
Liberdade de expressão x homotransfobia (homofobia + transfobia)
A diferença entre liberdade de expressão e homotransfobia é que aquela não permite discurso de ódio, que o STF definiu como a incitação à violência, à segregação e à discriminação.
"Não se pode xingar pessoas LGBTI+ ou generalizar a elas características pejorativas ou adjetivos ofensivos. Por exemplo, eu disse na tribuna do STF nesse julgamento que dizer que ser LGBTI+ seria “pecado” é direito de liberdade religiosa, mas chamar de “sodomita sujo” não. Ofender assim configura crime", afirma Iotti.
Iotti cita ainda como crime vincular homossexualidade à pedofilia. "Dizer que a pessoa é LGBTI+ por supostamente vir de uma 'família desestruturada'. Que o Movimento LGBTI+ estaria querendo 'sexualizar crianças' ou delas abusar. Esses são discursos reais do dia a dia dos discursos de ódio homotransfóbicos. O problema é que muita gente acha que só se xingar ou se mandar bater ou matar estaria cometendo racismo, conceito no qual o STF corretamente enquadrou a homotransfobia, mas isso é simplismo acrítico, uma falácia, uma posição muito equivocada", explicou ele.
Falivene acrescenta que a distinção entre racismo e liberdade de expressão, assegurada como direito fundamental pela Constituição, está no 'animus', ou seja, na intenção, no dolo do agente. "Se há o dolo de ofender, há crime. Porém, caso a intenção seja outra, como, por exemplo, realizar uma crítica, debate científico sério ou debate religioso, não haverá crime", explicou o advogado. No entanto, o especialista reforça que o direito à liberdade de expressão é limitado por outros direitos também constitucionalmente assegurados.
"A liberdade de expressão não deve ser considerada como absoluta. Como toda garantia ou princípio, quando se choca com outros direitos ou garantias fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, deve ser medido, ponderado e, por vezes, restringida. Por exemplo, ninguém pode alegar liberdade de expressão para proferir xingamentos racistas contra uma pessoa ou fazer declaração homofóbica", afirma Poeta. "No caso do apresentador Gilberto Barros, ele não precisou agredir ninguém, mas, só de expressar esse discurso de ódio, já é considerado o tipo penal", acrescentou ele.
Em outras situações, pode acontecer, por exemplo, o caso de alguém que seja preterido em uma vaga de emprego por causa de sua orientação sexual, proibição de frequentar determinados locais, entre outras dessa natureza. "Sendo assim, para que um fato seja tipificado e enquadrado como homofobia, é necessário que, praticamente, exista o cometimento de racismo, porém, alterando-se a condição étnica, por exemplo, incluindo-se a condição da sexualidade de outrem", avalia Poeta.
Como fazer uma denúncia
Para denunciar, basta que a pessoa registrar um boletim de ocorrência, de forma presencial ou virtual. A denúncia pode ser feita diretamente à polícia ou pelos canais de denúncia governamentais, como o Disque 100. Em caso de flagrante, deve ser telefonado para o 190.