ONG alemã vê racismo contra brasileiro barrado em Frankfurt
"Perguntaram o que eu pretendia fazer lá, se eu era de alguma facção criminosa, se eu tinha passagem na polícia", diz Gabriel Roque
Jovem do Rio era aguardado por parentes no aeroporto de Frankfurt, mas teve entrada negada e foi fichado como "perigoso". Caso é "escandaloso", diz defesa. Polícia afirma que episódio está sob apuração. Quando o estudante de gestão de recursos humanos Gabriel Roque (nome fictício), 21 anos, deixou o Rio de Janeiro em 6 de julho para embarcar naquela que seria a primeira viagem de avião de sua vida, ele estava feliz e ansioso para rever os parentes.
Na tarde do dia seguinte, assim que a aeronave aterrissou em Frankfurt, Alemanha, três tias, dois tios e uma prima que moram no país europeu aguardavam pelo rapaz - em vão, como só viriam a descobrir quase 30 horas depois.
Barrado no controle de imigração pela Polícia Federal alemã sob o argumento de documentação insuficiente, Gabriel foi mandado de volta ao Brasil após ser interrogado e passar a noite mal-alimentado e mal-acomodado em um banco do aeroporto, sempre sob luzes brancas - apesar dos esforços de seus familiares para reverter a decisão e de um advogado ter sido acionado.
Além de ter tido a entrada na Alemanha negada e correr o risco de ter que pagar pela própria deportação, Gabriel conta que também foi "fichado" no sistema de informação do Espaço Schengen. Alegando que o jovem forneceu informações contraditórias aos agentes, a polícia o teria classificado como "perigo à ordem e à segurança pública da República Federal da Alemanha" - um choque para ele, que até ali nunca tinha tido problemas com as autoridades, e motivo de revolta para os parentes, que apontam racismo no caso e receberam o apoio de uma organização de defesa de direitos humanos sediada em Frankfurt.
"Perguntaram o que eu pretendia fazer lá, se eu era de alguma facção criminosa, se eu tinha passagem na polícia", enumera Gabriel, cuja nome verdadeiro foi preservado a pedido dele. "Foi estressante, um constrangimento horrível."
"Houve algum tipo de discriminação", sustenta advogado
À época do episódio, a polícia argumentou que o jovem não conseguiu comprovar meios suficientes para se manter no país nem apresentou declaração de um responsável financeiro pela estadia, além de ter exigido dele um seguro saúde.
Segundo a página das representações diplomáticas da Alemanha no Brasil, brasileiros que desejam fazer visita de curta duração ao país europeu por turismo não precisam de um seguro saúde para viagens. Se forem questionados, é necessário comprovar recursos financeiros suficientes para a estada, e a declaração de um responsável financeiro é uma das formas possíveis para demonstrar isso.
A família de Gabriel diz ter atendido a ambos os requisitos posteriormente. Um dos tios apresentou inclusive seus contracheques a fim de comprovar que eles tinham meios suficientes para receber o sobrinho, junto com um termo de compromisso financeiro - este, porém, foi rejeitado pela polícia sob o argumento de que não cabia aos agentes receber a documentação, mas sim ao Departamento de Estrangeiros, que não fica aberto ao público nos fins de semana. Outra solução proposta pela família, a de enviar dinheiro vivo ao rapaz por meio dos agentes, também foi rejeitada.
"Você vê que houve algum tipo de discriminação porque a Bundespolizei [Polícia Federal da Alemanha] se recusou, por mais de 24 horas, a colaborar para esclarecer esse caso", afirma o advogado Gerhard Grüner, que foi acionado pela família de Gabriel enquanto ele ainda estava no aeroporto.
Grüner diz que os policiais pareciam decididos a levar adiante uma "punição exemplar", embora "inadequada" em se tratando de alguém com "um bilhete de volta, três tias, dois tios e uma prima esperando, todos dispostos a fazer de tudo para deixar claro que ele pode ficar no país".
Por isso, afirma o advogado, seria descabido tratar o jovem como um problema, alguém que não teria capacidade de se manter durante a visita. "Não faz sentido nenhum, por isso deve ter havido algum motivo pessoal."
Procurada pela DW, a polícia afirmou que o caso está sendo apurado internamente e que, por este motivo, ainda não poderia se pronunciar a respeito.
Fichado por dez anos
Ao relembrar o ocorrido em conversa com a DW, Gabriel diz que, após ser inquirido na imigração sobre o motivo da viagem e se tinha dinheiro ou carta-convite e seguro viagem - ele não tinha -, ele teria sido solicitado a se afastar da fila e aguardar ao lado.
Confuso, o rapaz ligou para uma das tias, que tentou, sem sucesso, explicar a situação aos agentes. Dali, ele foi levado a uma sala para ser interrogado, em dois momentos diferentes, com a ajuda de tradutores.
Após ser liberado, ele se manteve nas imediações do controle de imigração na esperança de ter a passagem liberada. A polícia também exigiu que ele voltasse em horários pré-estabelecidos para assinar uma espécie de folha de presença. Só quando já estava no Brasil é que ele diz ter tomado conhecimento, pelo advogado, de que havia sido fichado como alguém perigoso - uma observação que permanece nos registros das autoridades migratórias no Espaço Schengen por dez anos.
Segundo Grüner, o registro terá consequências para futuras viagens que o jovem queira fazer pela Europa, expondo-o a novos interrogatórios. "Vão querer saber por que ele foi impedido de entrar na Alemanha. Na dúvida, haverá sempre um risco de que ele não possa viajar." O advogado acionou a Justiça para pedir o enquadramento da ação policial como ilegal.
Caso é "escandaloso", diz defesa
A página das representações diplomáticas da Alemanha informa que brasileiros viajando a turismo podem entrar e permanecer no país por no máximo 90 dias dentro de um período de seis meses, desde que tenham um passaporte válido e comprovem objetivo, circunstâncias e recursos financeiros suficientes para a estadia.
Segundo Grüner, as regras dispensam a exigência de um seguro saúde e de um termo de compromisso financeiro. Do viajante seria esperado um orçamento de 45 euros por dia, mas esse é um valor a título de orientação, e a polícia deveria, neste caso, considerar que o jovem seria hospedado pelos parentes. O advogado argumenta que seria um exagero exigir que ele tivesse esse termo em mãos já no momento do controle da imigração, e que os policiais tinham o dever de considerar a apresentação do documento em um momento posterior.
Em vez disso, a polícia, diz ele, primeiro informou a família que fazia apenas um controle de rotina e que logo estaria tudo certo, e depois que a avaliação havia sido concluída no momento em que Gabriel foi barrado e que a decisão era irreversível. "E não é bem assim. Enquanto ele quer entrar e está na área de espera, eles têm que considerar a documentação que for apresentada", diz Grüner.
"O que é escandaloso é um brasileiro que cumpre todos os pré-requisitos para adentrar a Alemanha ter a entrada no país negada pela polícia porque ela não está disposta a considerar esses pontos", emenda, acrescentando que a experiência pode ser traumatizante.
Caso é "propaganda negativa" para a Alemanha, avalia ONG
O GMVV, uma ONG alemã que atua no Parlamento Europeu e na Comissão Europeia em questões de direitos humanos e civis e que acompanha o caso de Gabriel, também questiona a conduta da polícia.
Michele Sciurba, um dos representantes da organização, diz que o episódio é não só "propaganda negativa" para o país como também põe em cheque a credibilidade do governo federal, que tem se esforçado em recrutar mão-de-obra brasileira na área da saúde.
O aeroporto de Frankfurt, argumenta Sciurba, é o "cartão de visitas" da Alemanha. "Por isso, a nosso ver, é urgente que esse caso seja investigado e sirva para coibir futuramente toda forma de racismo institucional e perfilamento racial no aeroporto."
"Quero voltar por questão de honra"
Gabriel diz que quer recuperar sua boa reputação, e que voltar à Alemanha é agora uma "questão de honra" para ele.
"Nunca tive nenhum tipo de problema no Brasil, nunca. Imagina, eu vou para outro país e me classificam como perigo? Se meus tios não estivessem botando advogado para me representar, eu ia voltar sem saber nada e provavelmente ia ser preso porque ia ter uma multa gigantesca no meu nome", comenta, referindo-se aos custos da deportação.
"Meu filho não é bandido", frisa Teresa, mãe de Gabriel, cujo nome também foi alterado para preservar a identidade do jovem. "Ele chegar num país que ia passar quatro semanas e sofrer esse preconceito todo - para um país de primeiro mundo, foi péssimo. São sonhos, né, que eles acabam destruindo. Meu filho sonha em ir para outros países, também profissionalmente. Minha maior preocupação é limpar o nome dele."