Mulheres trans podem amamentar?
Sim, mulheres trans podem amamentar - e pesquisas recentes mostram que é perfeitamente saudável e seguro tanto para a mãe quanto para o bebê
A maioria das pessoas presume que apenas mulheres cisgênero (que não são trans) podem amamentar, mas uma combinação de pesquisas médicas e evidências clínicas provam que mulheres trans também podem amamentar.
Em 2018, a revista médica Transgender Health publicou um estudo de caso que detalhava como uma mulher trans que vivia em Nova Iorque, nos Estados Unidos, conseguiu induzir a lactação utilizando uma "estrutura básica" estabelecida por pesquisas anteriores. A indução da lactação já é uma realidade na medicina há alguns anos. Como outras mulheres, ela fez um tratamento hormonal e o uso de um medicamento desenvolvido para aumentar o suprimento de lactação em mulheres que não são trans. Ela foi orientada a usar uma bomba para tirar leite antes do filho nascer, para estimular a produção e o aumento do seu nível de prolactina, hormônio que ajuda os seios a crescerem e a produzirem leite.
Este caso ganhou as manchetes em todo o mundo devido ao sucesso de seu tratamento. Três meses depois de iniciar o seu regime de medicação, ela conseguiu produzir 240 ml de leite materno por dia. E ela passou a amamentar seu bebê com seu leite exclusivamente por seis semanas. Seu pediatra relatou que "o crescimento, a alimentação e os hábitos intestinais da criança eram adequados ao desenvolvimento" durante esse período e ficou nítido que os hormônios usados por ela não são transferidos para o bebê na amamentação. Depois de seis semanas, ela começou a complementar a amamentação com fórmula, preocupada por não estar produzindo um volume de leite suficiente para as necessidades do bebê.
Embora esse estudo de caso tenha demonstrado que muitas mulheres trans são fisicamente capazes de amamentar, ele não forneceu uma visão mais aprofundada da composição nutricional do leite da mulher trans. No entanto, um outro artigo publicado por Amy K Weimer, em maio de 2023, no Journal of Human Lactation, focou nisso.
Tal como o estudo de 2018, este apresentou um único estudo de caso, desta vez de uma mulher trans de 46 anos que queria descobrir se poderia "apoiar na amamentação do bebê durante os primeiros meses pós-parto", ajudando na amamentação do recém-nascido.
Nos meses que antecederam o nascimento do filho, ela foi submetida a um regime de tratamento semelhante ao detalhado no estudo anterior. E, depois que o bebê nasceu, ela descobriu que era capaz de produzir cerca de 150 mm de leite materno por dia em cinco sessões de extração. Duas semanas após o nascimento, ela começou a amamentar uma ou duas vezes por dia, enquanto uma mamadeira de seu leite bombeado também era oferecida ocasionalmente.
No artigo, Weimer também analisou quatro amostras de leite materno produzido por ela, para entender melhor suas qualidades nutricionais. A pesquisadora descobriu que o leite produzido por essa mãe trans "apresentava valores de proteína, gordura, lactose e conteúdo calórico iguais ou superiores aos do leite produzido por mulheres cis ou outras pessoas que podem gestar".
A mulher trans acompanhada neste estudo também pôde atestar o impacto que a amamentação teve na sua relação com o filho. Ela afirma se sentir encorajada por ter conseguido fazer isso pelo seu filho e ter uma conexão materna durante seus primeiros dias. "É algo que tantas mulheres fazem e definitivamente é especial para mim", disse a mãe.
Embora o estudo tenha concluído que o leite era nutricionalmente tão robusto como o de qualquer outra mulher ou pessoa que pode gestar, havia uma desvantagem aparente: a quantidade que ela produzia era inferior à que seria necessária, e o mesmo ocorreu com os demais casos. O estudo observou que isto se deu "observando que as sessões de amamentação completas eram menos frequentes, constantemente abaixo das frequências recomendadas de pelo menos seis a oito vezes por dia para estabelecer e manter uma produção robusta de leite".
Obviamente que mais pesquisas são necessárias para compreender completamente as complexidades da amamentação por pessoas trans. No entanto, enquanto pessoas trans esperam que a ciência acompanhe o que já está a acontecer na prática, há muitas provas robustas que podem ajudar as mulheres trans a compreender melhor como podem amamentar os seus filhos.
Ao redor do mundo, e no Brasil, muitas mulheres trans têm levantado essa discussão e recebido muitos ataques vindos de uma suposta "defesa da infância" que tentam negar a sua maternidade, sendo vitimas de denuncias nos serviços de proteção à criança e acusadas de "abuso infantil". Elas ainda têm enfrentado um fluxo interminável de abusos e ódio, especialmente nas redes sociais.
Ser capaz de nutrir seu filho amamentando com seu próprio leite deve ser uma experiência transformadora e muito importante na afirmação da sua maternidade de mulheres trans. E, apesar do desafios e falta de conhecimento dos médicos, é importante que pessoas trans saibam que a parentalidade pode fazer parte de suas vidas, se assim desejarem.
A primeira coisa que eu diria a qualquer pessoa trans é que você não está fazendo nada diferente do que qualquer outra pessoa faria, que sua necessidade de dar sustento ao seu bebê recém-nascido é igual e tão válida quando de qualquer pessoa. E se existe uma maneira de você conseguir alimentar com o melhor leite que seu bebê pode obter, que seja igual ao de qualquer outra pessoa, então não sinta que precisa se desculpar. Você está sendo o melhor que pode ser, e nunca se esqueça disso.