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A violência é uma cultura e somos parte dela

Cada vez que se cala diante de microviolências, você está contribuindo para a desumanização que fomenta macroviolências, como a de Blumenau

5 abr 2023 - 14h24
(atualizado às 14h25)
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Tem aquele ditado que diz: 

“De grão em grão a galinha enche o papo”.

Pois é. Podemos usá-lo para entender a cultura da violência. Podemos chamar de ‘cultura’ já que cultura é cultivo e, sim, nós cultivamos a violência em nossos meios de diversas formas. 

Das pequenas violências naturalizadas, normalizadas e instituídas em nossos meios se constrói milimetricamente o ambiente favorável e confortável para as violências hediondas. 

Creche foi alvo de ataque em Blumenau, SC, nesta quarta-feira (5)
Creche foi alvo de ataque em Blumenau, SC, nesta quarta-feira (5)
Foto: Divulgação/CBMSC

Isso é tão óbvio quanto conscientemente ignorado. E sabe por que ignoramos? Porque encarar significa mexer no confortinho nosso de cada dia. Significa deixar de lado nossos apegos a tudo que serve de adubo para a cultura da violência. Será que estamos dispostos? Porque não somos uma sociedade voltada para o “faça a sua parte”. Quer dizer, problemas vemos, problemas sofremos, mas não nos movemos para resolver porque nossa autoindulgência social nos convence de que não somos parte desses problemas que vemos e sofremos. Diariamente diversas microviolências são cometidas. Não por monstros, mas por pessoas comuns. 

Ahhh, ok! Temos o bolsonarismo aqui atuante e operante em toda sua potência. Mas já passou da hora de entendermos o bolsonarismo como corpo e voz que materializou em carne e osso toda nossa desestruturação comportamental que é histórica, afinal, somos um país que naturalizou a violência hedionda da escravidão e chama de arte a insistência de contar em horário nobre e sob o olhar de quem cometeu essa violência (o escravizador) todo o horror que ela representou e ainda representa. Somos um país onde a ditadura e seus criminosos permaneceram livres e influenciando discursos sociopolíticos até hoje! 

 Achamos normal almoçar em restaurantes chamados “Senzala” e promover festas com os símbolos da violência como adorno temático! Sim, fazemos isso! Cultivamos os ecos históricos das violências hediondas que estiveram presentes desde a formação da nossa sociedade. Ninguém levou tão a sério o “fazer arminha” ou dizer que indígenas e quilombolas eram medidos por arrobas. Não somos um país cordial e pacífico.

Nossa cultura narcisista, que alimenta sistemas de exclusão, de segregação por motivos torpes (como raça, classe e gênero) e competitividades capitalistas sem nenhum fundamento (se é que pode haver algum), nos leva ao amortecimento de valores genuinamente humanos como a compaixão, a inclusão e o acolhimento. Ocorre é que:

“Quem desumaniza, se desumaniza”. 

Estamos todos desumanizados por não conseguir reconhecer o outro como humano e seguir desumanizando. É um círculo vicioso e viciado que nos dá sintomas muito claros.

Nas redes sociais, entre um post de autoajuda e outro, permeiam propagandas de produtos que atuam na lógica do “você é menos importante se não comprar isso” ou “você não é gente o bastante se não usar aquilo”. Pulamos corpos dormindo nas calçadas, por ausência de moradia, enquanto tomamos nosso sorvete e rimos da vida. Pedimos justiça quando somos atingidos diretamente, mas, quando é o outro que sofre apenas, prestamos solidariedade do aconchego de nossa indignação entorpecente.

Enquanto isso, revanchismos, vinganças, intrigas, “tretas”, rivalidades e trocas de ataques psicológicos de toda espécie entre pessoas são chamados de ENTRETENIMENTO. Estamos em uma releitura dos tempos da Roma antiga e seus festivais de morte com gladiadores, só que aqui a luta é subjetiva, mas nem de longe é menos letal. 

Desumanização é sistêmica. Hierarquização de importâncias e valores humanos são palanques políticos. E rivalizar é uma compulsão social.

Sério mesmo que estamos chocados com as grandes violências? Ou é só mais um episódio da série “Ensaio sobre indignação improdutiva”. 

E vamos de clichê: precisamos nos repensar como sociedade. Se sabemos, por que não estamos fazendo? 

Somos parte do problema e não vítimas involuntárias dele. Quantas omissões você banca para não ter que abrir mão de seus castelos de perfeição social? A custa de quanto sofrimento sua satisfação é construída? Em cima de quantas camadas de desvalorização humana você ergueu sua zona de conforto? E sua mentalidade supremacista que te faz acreditar que merece mais que os demais? Acha mesmo que isso não tem nada a ver com crimes hediondos que tem até crianças como alvo? Crianças! Crianças. 

Crianças? Sim, tem crianças comendo lixo, dormindo nas calçadas, sofrendo bullying na escola. E você acha que isso não tem nada a ver contigo ou com a tragédia de Blumenau mas, cada vez que aceita ou se cala diante das centenas de microviolências cotidianas, está, sim, contribuindo para a desumanização que fomenta as macroviolências. 

Contra as macroviolências você ou eu não podemos muito, mas contra as microviolências podemos muito. Podemos, por exemplo, entender que não é ‘’mimimi” só porque não dói em você. Podemos entender que nem tudo é sobre você. A maioria das coisas são sobre a sociedade, mas você faz parte. 

Então faça a sua parte, mude de atitude e mova tudo que for possível a sua volta para que as violências naturalizadas deixem de existir livremente em nossos meios, seja como entretenimento ou como palanque político, seja como for, não se cale.

Fonte: Redação Nós
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