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BBB sem mulheres: sinal amarelo para o desgaste da representatividade

Basta ter pessoas de grupos minoritários nos espaços? Representatividade é só isso?

18 abr 2022 - 12h15
(atualizado às 12h15)
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Jessilane Alves foi a 14ª eliminada e última mulher a deixar a casa na edição 2022
Jessilane Alves foi a 14ª eliminada e última mulher a deixar a casa na edição 2022
Foto: Reprodução/Instagram

Que precisamos discutir os limites e, principalmente, a intenção política por trás da representatividade é fato antigo. Angela Davis já nos alertou que para além de ter representatividade é preciso garantir que essas pessoas tenham condições de realmente tencionar ou provocar os questionamentos necessários. Infelizmente, sabemos que para a maioria isso não é humanamente possível. Quando o assunto é luta contra as desigualdades históricas há muitas paixões envolvidas, muito apego a privilégios e isso implica em contra-ataques que nem todos tem condições psicológicas, cognitivas, econômicas e políticas para lidar sem se fragilizar (daí a necessidade de entender e trabalhar pelo empoderamento real).

Também temos a questão da proporcionalidade que já afirmei diversas vezes que é a alma da representatividade. Não se pode ter oito representando oitenta, além de desumano, é irreal para o entendimento do todo, pois há diversidade dentro da diversidade, simplesmente porque sim, somos humanos. Por isso, precisamos discutir representatividade. Há muito tempo. Mas, os motivos pelos

quais não estamos fazendo essa discussão fundamental para a pauta da diversidade é no

mínimo digno de atenção. E a votação da Jessilane, última mulher a sair nessa edição do BBB, é um bom momento para pensarmos a respeito.

 Com 63,63% dos votos, a professora Jessilane Alves foi a escolhida para deixar o programa na noite deste domingo (17)
Com 63,63% dos votos, a professora Jessilane Alves foi a escolhida para deixar o programa na noite deste domingo (17)
Foto: Reproduçãp/Instagram

Reality show é entretenimento. Óbvio. É perigoso não levar isso em consideração. E ao contrário do que a mídia tenta mostrar, não é uma unanimidade na audiência, muito menos na preferência. Muitos não veem e, por diversos motivos, não gostam. Tudo bem. Mas não dá para desconsiderar que o que vemos ali é uma espécie de “drops” ou ainda uma “bruma” do que se passa na sociedade. A pergunta é: basta ter pessoas de grupos minoritários nos espaços? Representatividade é só isso? E para que serve ou está servindo para todo o grupo?

Nas últimas edições do BBB as mulheres foram as grandes vencedoras. E sem desmerecer os méritos que as levaram ao pódio, o discurso da representatividade esteve alavancando quase todas essas vitórias. E isso não é exatamente um problema. O problema é o reducionismo que faz com que as pessoas se contentem com a representatividade midiática e esqueçam que essas vitórias não condizem com os números crescentes do feminicídio, da violência doméstica, do genocídio da população negra, dos altos índices de desemprego e de baixo desenvolvimento humano, com o assassinato de corpos LGBTQIA+, entre outras estatísticas que mostram a precariedade desses grupos na sociedade.

Juliette venceu o BBB 21 com mais de 90% dos votos
Juliette venceu o BBB 21 com mais de 90% dos votos
Foto: Reprodução/Instagram

A representatividade é um instrumento educativo que leva ao entendimento de que a sociedade é constituída por diversos grupos de pessoas e que parte do enfrentamento das desigualdades passa por garantir a todos eles as mesmas oportunidades, seja em um reality show ou na disputa por melhores condições de vida na sociedade.

Os discursos da representatividade usados de maneira simplista e, por vezes até leviana, nesses programas reduz esse entendimento e causa a impressão de que a representatividade é algo banal, fútil ou fácil de se garantir, é que deve ser usado apenas em benefício de alguns, sem nenhuma devolutiva social relevante. Cria-se uma meritocracia perigosa no lugar onde temos condições de “matar” esse conceito.

Isso tem nos feito recuar em pautas importantes onde a representatividade é de fato inegociável. Fora dos círculos de militância/ativismo midiático, as pessoas querem mais do que ver um “igual” ganhando um milhão de reais e realizando sonhos de consumo. As pessoas querem ter essa oportunidade também. Mas quem torce para o participante do reality show que faz parte de grupos minoritários, sob o argumento da representatividade, nem sempre torce para o grupo todo. Uma vez que isso é percebido pelo grupo, há um

sentimento de traição ou de que se foi usado para intentos individualistas. E daí, queridos leitores, o desgaste e esvaziamento dessa estratégia de luta se instala.

Na reta final do jogo, Jessi, Linn e Natália se desentenderam, o que enfraqueceu a torcida das últimas mulheres que restaram na casa
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Foto:

Outro problema que tem sido recorrente é esquecer que a representatividade também serve como enfrentamento da desumanização de grupos oprimidos ou minoritários. Mas humanizar é garantir as complexidades que fazem parte do ser humano. Se somos bons e maus a um só tempo, precisamos ter o direito a erros e acertos, igualmente e não usar a representatividade como escudo para encobrir falhas passíveis de serem revistas e transformadas.

Sob o manto da representatividade se omitem os erros e exacerbam os acertos de pessoas de grupos minoritários usando o argumento de que a cobrança social é desproporcional. É isso é real, mas não deve nos isentar da responsabilidade em tentar fazer ou mostrar o melhor que temos a oferecer, afinal, se tem alguém na sociedade apto a pautar novos comportamentos a partir de suas próprias virtudes conscientemente cultivadas são aqueles que estão sofrendo as consequências do descompromisso do outro com a justiça social.

Enfim, temos muito o que discutir sobre os usos e limites da representatividade, seus efeitos colaterais, seus esvaziamentos e cooptação conscientes ou não. E precisamos fazer isso com certa urgência, pois o resultado da última votação do BBB, apesar de ser um grão de areia na enorme praia que é a sociedade, acende uma luz amarela sobre até que ponto estamos nos perdendo ou contradizendo nossos instrumentos de luta mais eficientes. A representatividade ainda importa sim mas, os usos e a finalidade tem importado muito mais.

Fonte: Joice Berth
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