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A babá vista como mãe consegue ficar o mesmo tempo com o próprio filho?

Ama de leite é um conceito de cunho racista que ainda hoje é romantizado por boa parte da população brasileira

11 out 2024 - 14h43
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Garotinho participa de brincadeira com mãe e babá para identificar quem é quem e resultado surpreende
Garotinho participa de brincadeira com mãe e babá para identificar quem é quem e resultado surpreende
Foto: Reprodução TikTok

Nesta semana, um vídeo em que uma mãe e uma babá ficam entre uma criança enquanto ele diz quem é quem na visão dele, viralizou, como muita coisa que rola na internet. Muita gente achou fofo, falou de como é bonito a criança subentender a babá como a provedora de afeto, teve elogios a mãe por não ter ciúmes da situação, outros elogiaram a babá por cuidar tão bem do menino e várias outras questões. Observando toda essa romantização me fez pensar como a sociedade atual ainda se lambuza de ideais coloniais que de um modo ou de outro, estão totalmente ligados aos ideais escravagistas. É importante dizer também que nada aqui são pensamentos sobre esse caso em específico. Não faço a mínima ideia de como é a interação e o dia a dia das pessoas que fizeram o vídeo, mas achei um gancho interessante apontar alguns fatos.

A ideia da ama de leite foi fortemente romantizada. O motivo da romantização é porque as narrativas das histórias sempre estavam nas mãos dos brancos. Quando as narrativas negras, através da oralidade, começam, mesmo que timidamente a ganhar corpo, é que vemos o quão cruel era a realidade por trás disso. A ama de leite era uma escravizada responsável por amamentar, cuidar e educar os filhos e filhas dos escravocratas. Chegava ao ponto de quando a “sinhá” descobria que estava grávida e não tinha nenhuma negra gestante, eles providenciavam estupros para que elas ganhassem bebê, tivessem leite e todas as questões biológicas que envolvem a maternidade.

Muitas dessas amas de leite deixavam seus filhos sem nenhum tipo de atenção porque a prioridade era a criança branca. Então se a escravizada tá com o bebê dela em uma espécie de manjedoura, o filho do branco tá naquele berço gigante. Se a escravizada estivesse amamentando seu filho e a criança branca chorasse, ela era a prioridade. Já quanto mais velhos, as crianças negras já estavam só fazendo trabalhos pela fazenda, enquanto a ama de leite estava toda voltada para formação emocional, educacional e bem-estar de maneira geral da criança branca. Claro, que quanto mais velha a criança branca e a medida que ela ia entendendo as coisas, aquela visão de mãe ia se perdendo. Com isso a falta de respeito crescia e por se tratar de uma época de escravidão podemos imaginar quantos “filhos” mandaram amas de leite para o tronco.

Hoje em dia não é nada difícil fazer um paralelo com o que foi dito, né? Quartinho de empregada tem uma lógica escravocrata gigantesca, desde o seu tamanho, ao banheiro próprio e ficar depois da cozinha, tudo isso parte de que aquele ser não faz parte daquela casa. Quantas mães largam seus filhos nas creches para dar a filhos de terceiros todo o amor e atenção que uma criança precisa? Quantas mães passam mais tempo com o filho da patroa do que com o dela? Quantas pessoas com trabalho análogo a escravidão vemos aí pelos jornais, e que depois a familia acusada, aparece dizendo que a vítima era parte da familia? E que família, não é mesmo? Família que não pode acessar os mesmos ambientes da casa, família que por vezes tem seus próprios talheres específicos, família que não tem direito a herança. É a lógica que a negra e a pobre, só podem fazer parte desse conjunto familiar se servir.

É de doer quando você vai ver essas casas de milhões de reais com dezenas de quartos vazios e os quartos dos empregados seguem minúsculos, sem chuveiro quente, sem ar condicionado, espaço que só cabe a cama e todo esse miserê está a 20 passos de uma mansão com ar condicionado central, jacuzzi e artes de gosto duvidoso. Pessoas pretas, pobres e trabalhadores em sua maioria, não são vistos como pessoas. Muitas vezes você verá gente que tem 5 funcionários que fazem comida, cuida de criança, deixa tudo limpinho, faz a segurança, toma até tiro para defender um pessoal e são contemplados com baixos salários e pouca estrutura, e esse mesmo bacana tem 5 cachorros que são mais bem tratados que os trabalhadores.

Tudo isso que eu falei é uma realidade. Não tem nada a ver com vídeo, que foi só o gancho, mas que tá na hora da gente começar a refletir que tipo de relações são essas onde um vale muito mais que o outro com base em dinheiro. Precisamos romper com a lógica escravagista e, sobretudo, parar de romantizar essas coisas. A precarização do trabalho é um projeto de concentração de renda e mão de obra barata, que aqui no Brasil tem total a ver com o período escravocrata. Romper com isso é, talvez, uma das poucas maneiras de buscar com pais onde o trabalhador receba salários dignos de viver e não sobreviver.

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais há dez anos e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade.
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