A história negra no Brasil segue sendo negligenciada por parte da educação infantil
Na procura de uma escola para meu filho, pude ver o quão distante estamos de uma abordagem correta do novembro negro
Meu filho Akin, no ano que vem, irá para a escola, e é muito difícil para papais e mamães deixarem seus filhos nas mãos de outras pessoas. Por isso visitei, na última semana, cerca de cinco escolas de um bairro de classe média de Salvador, onde moramos. Por essas visitas acontecerem em novembro, pude ver como foi abordado o tema do Mês da Consciência Negra pelas instituições. Minha decepção foi gigantesca, pois acreditava que a abordagem sobre a população negra tinha evoluído.
É muito complicado você ter uma visão de mundo e não conseguir achar espaços onde as pessoas compactuam da sua forma de pensar. Nessas visitas eu ouvi de tudo, desde coordenadora resumindo novembro negro em acarajé e capoeira até desenho de saci-pererê como figura negra importante. Um detalhe é que essas informações eram passadas após eu falar do meu trabalho, ou seja, as pessoas realmente achavam que estavam arrasando com esse tipo de metodologia.
Na escola mais cara que fui, o novembro negro era resumido a chamar baianas para vender acarajé e desenhos de pessoas com cabelos crespos. Quando questionei mais sobre como era abordado esse tema, a pessoa que me atendia falou que toda data era importante e que eles valorizam muito o folclore brasileiro. Posso ter entendido errado, mas a mensagem que me passou foi que a cultura negra é baseada em criações místicas. Bateu em mim como se Zumbi dos Palmares fosse a mula sem cabeça.
Em uma outra instituição, a coordenadora chegou a gaguejar quando questionei sobre como abordaram o novembro negro. Nessa escola me foi dito que eles faziam grandes rodas para abordar os temas com as crianças e usou, nas palavras dela, o dia do “índio” como exemplo, falando inclusive que ensinam que os “índios” são um povo pobre, que tem muitas necessidades, que precisam de ajuda e, até por isso, pedem alimentos não pereciveis para as crianças entregarem os alimentos para eles. Como uma escola coloca indígenas como miseráveis, dependentes e nem sequer explicam o motivo de muitos grupos de povos originários passarem necessidades hoje em dia?
Teve um colégio que não fui recebido por ninguém, mas vi alguns trabalhos sobre o novembro negro. Em um deles, tinham pessoas negras importantes, mas só tinha atleta e artista no mural. A única pessoa negra que ali estava que fugia disso era Martin Luther King Jr. Nada de Maria Felipa, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez ou Luiz Gama.
No último desses colégios, um que é bilíngue e cheio de atividades, a coordenadora me contou um acontecido e eu gostei muito da maneira que ela abordou a situação, contudo a abordagem sobre o novembro negro também foi bem rasa e com poucas atividades contundentes sobre a história negra.
Nem preciso falar que a maioria dos alunos desses colégios são brancos e que sei que muitas instituições hoje são reféns de pais de direita. Teve colégios que nem visitei, pois ouvi de uma professora da escola que já ouviu aluno de 5 ou 6 anos falar que “favela é aquele lugar que quem não gosta de trabalhar mora”. Importante também falar que não são todas as escolas que falham ao abordar esses assuntos, mas infelizmente o que me parece é que as que acertam têm uma pessoa responsável por aquilo, e não a instituição. Por exemplo, uma professora que bate o pé e briga com metade do colégio para conseguir expor o tema de maneira assertiva.
Na maioria desses colégios os alunos tinham até 10 anos, e vendo aquelas abordagens confesso que não vi muita diferença de 30 anos atrás quando era eu que estava entrando no colégio. E aí ficou aquele impasse de sangrar para colocar meu filho em um colégio cheio de atividades, majoritariamente branco, que não deixa a criança na televisão, ou colocá-lo em um colégio mais barato, que não tem as mesmas atividades, mas que tem muita gente preta, mas que também não aborda datas de maneira correta.
É meio frustrante observar como a causa racial vem caminhando a passos lentos, tão lentos que, por vezes, dá a sensação de estática. Ver que ainda resumem a cultura negra em acarajé e capoeira foi um golpe duro. Ensinar as crianças a valorizar a cultura negra, a conhecer um pouco a religião de matriz africana e a entender que a escravização foi a pior coisa que aconteceu no Brasil é fundamental para tentarmos forjar uma sociedade antirracista.