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A quem interessa a demonização das religiões de matriz africana?

Precisamos refletir sobre a religião que demoniza e que é demonizada

3 mai 2022 - 12h30
(atualizado às 12h32)
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O samba, o ritmo, as danças, o batuque e toda a essência do Carnaval das escolas de samba têm suas origens no candomblé
O samba, o ritmo, as danças, o batuque e toda a essência do Carnaval das escolas de samba têm suas origens no candomblé
Foto: CartaCapital

Esse texto não nasce com intuito de pôr em xeque a religiosidade de ninguém. Nem quero que você odeie cristãos, muito pelo contrário. Os bons cristãos não são o problema, e sim como alguns moldam os ensinamentos de Jesus e os aplicam de forma seletiva. Uma dessas várias formas de seletividade é como a demonização do candomblé, sobretudo de exu, veio à tona com a vitória da Grande Rio no Carnaval carioca. O enredo da escola fala sobre as várias faces do orixá, que é covardemente apontado como o demônio por setores do cristianismo. Essa demonização feita sobre a cultura africana tem nome e deve ser combatida em todos os setores da sociedade.

Primeiro temos que ter em mente que a perseguição do cristianismo às religiões de matriz africana é um projeto de poder. A forma com que as tradições de matriz africana são tratadas no Brasil é um caça às bruxas. O racismo religioso, termo e conceito do grande professor Sidnei Nogueira, desemprega, divide famílias, coloca filhos para fora de casa, violenta, segrega, fomenta o ódio e até mata. O cristianismo aparenta ter a necessidade de ser a única manifestação religiosa. Ele demoniza o candomblé e depois oferece a libertação através do seu salvador. É como se o simples fato do candomblé existir fosse uma violação as divindades cristãs.

Não podemos esquecer também que o cristianismo europeu cresceu em proporções globais por meio das guerras santas. Esse DNA violento, que contradiz completamente Cristo, se perpetua até hoje. No Rio de Janeiro, de julho 2012 a setembro 2015, 71,15% das denúncias de intolerância religiosa tinham como alvo as religiões de matriz africana. Veja algumas notícias que denunciam o racismo religioso no Brasil: Avó de apedrejada organiza ato contra intolerância religiosa; Intolerância religiosa: número de denúncias dobra em um ano; Religiões de matriz africana são maiores alvos de ataques na internet; Família de ialorixá atribui morte a intolerância religiosaApedrejada cria abaixo-assinado por liberdade religiosa.

Outra coisa que não me ensinaram na escola é sobre as Bulas Papais. Uma delas, emitida em 18 de junho de 1452, pelo papa Nicolau V, dirigida ao rei Afonso V de Portugal, autorizava invadir territórios não cristianizados, buscar, capturar e subjugar os inimigos de Cristo, além de consigná-los à escravidão perpétua. Como isso impacta no Brasil? Essa autorização, em nome de Jesus, legitimou o massacre e a escravização de negros e indígenas. Feridas sociais que ainda hoje são sentidas. Com isso, seria ilusório supor que os padres fossem contestar a escravização nas Américas, pois o próprio projeto era fundamentalmente católico.

O catolicismo foi a base que sustentou e legitimou os ideais europeus de escravizar e exterminar outras civilizações. Os padres pertenciam à mais alta camada social, logo, eles compravam e vendiam escravizados negros com a justificativa, bem conveniente, de que o escravo não tinha alma. Segundo o padre José de Anchieta, que dá nome a um dos colégios mais caros de Salvador (BA), por exemplo: "É preferível vocês serem escravos e cristãos aqui, do que livres e pagãos na África".

Repito, minha intenção não é criticar pessoas que não propagam falácias acerca da cultura africana em toda sua plenitude. É apenas uma reflexão sobre a religião que demoniza e que é demonizada. Exú é caminho, Exú é proteção, Exú é vida. Laroyê!

Fonte: Luã Andrade
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