Apontar o dedo para pessoas negras é sempre mais fácil e confortável
Independente do espectro político e ideológico, é comum vermos gente preta sendo alvejada de julgamentos
Cansei de falar aqui sobre como a empatia, na maioria das vezes, não contempla pessoas negras, principalmente se forem periféricas. Isso vale para todas as esferas sociais. Um exemplo recente dessa condescendência com brancos foi o caso da moça que, poucos dias atrás, foi pega roubando uma loja no Rio de Janeiro e, ao invés de ser esculachada, agredida e levada para a "salinha", como sabemos que acontece com muitos negros e negras, foi acolhida pelas pessoas, colocada em uma cadeira enquanto chorava dizendo “Eu vou apanhar quando chegar em casa. Eu não posso ser fichada”.
Para além desses casos judiciais e policiais que ceifam vidas negras diariamente, temos também outros exemplos que, apesar de não serem tão grave, mostram como as pessoas não pensam duas vezes antes de pegar um negro para despejar todo seu incômodo. Isso me parece até estratégico porque é sabido que o exagero não será cobrado como se fosse dito para uma pessoa branca e que as pessoas não irão sair em defesa de forma voraz da mesma forma que fazem com pessoas brancas.
Barack Obama foi 44º presidente dos Estados Unidos e, na época, muitos pretos em diáspora comemoraram o fato de uma pessoa negra estar no cargo mais importante do mundo. Obama cometeu muitos equívocos durante sua gestão, sobretudo do ponto de vista colonial. Várias atrocidades aconteceram durante sua estadia na Casa Branca, contudo nada diferente de outros presidentes e, até hoje, ele é cobrado e citado muito mais vezes do que outros.
E eu nem vou dizer que as pessoas que falam sobre os erros que ele cometeu estão também erradas, porém me parece meio curioso o porquê de Obama ser tão lembrado e outros presidentes, como George W. Bush, não. Longe de ser coincidência, acredito que tem também uma estratégia. Isso porque quem acha lindo o imperialismo estadunidense está pouco se importando com a questão racial na maioria das vezes. E cutucar pessoas negras traz aquele sentimento dúbio, pois da mesma forma que entende a importância de ter um negro naquele local, sabe também que é um tipo de representatividade vazia, já que levou destruição para muita gente.
Quando o casal Beyoncé e Jay Z saiu na revista Forbes como um casal bilionário algo bem semelhante ocorreu. A mesma galera criticou, chamando-os de exploradores e coisas nesse sentido. Pegaram duas pessoas negras, que também são a exceção da exceção, para despejar todo ódio sobre um sistema que tem como principal vítima pessoas da raça de ambos. E, na mesma linha do parágrafo anterior, quem critica tem razão: bilionários não deveriam existir. Para existir bilhão, tem que existir miséria. As pessoas não se tornam bilionárias sem explorar o trabalho de outros. Por que quando saem dezenas de brancos em patamares de dinheiro muito maior não se vê tanto frenesi por parte desse mesmo pessoal?
Ainda sobre a Queen B. Tivemos essa semana a Pitty tecendo uma crítica totalmente sem sentido envolvendo Manu Gavassi, Irmã Dulce e o Natal. A cantora, que já apagou a publicação, deixou a entender que Beyoncé estava querendo dar uma de boa samaritana e usando a Bahia/Brasil para isso. Eu fiquei pensando, sabe? Teve cantora branca que passou pelo Brasil recentemente que até óbito ocorreu em um dos seus shows, não lidou com o acontecido de maneira correta, alguns fãs deram as caras e criaram homenagens para atenuar o acontecido e, pelo menos eu, não vi pessoal com textão nas suas redes.
Me parece que as pessoas ainda não entendem muito bem o que significa interseccionalidade. Não compreende que uma mulher negra, ainda que estadounidense, pode dialogar melhor com uma mulher negra brasileira do que uma mulher branca também brasileira. E isso não é culpa da mulher negra brasileira, não. É culpa de anos e anos de escanteamento das pautas das mulheres pretas e pardas por feministas brancas. Essa semana tivemos um exemplo bem nítido disso, né? Uma mulher branca que passou por uma situação de assédio e foi abraçada por todas as mulheres saindo em foto com um homem que foi racista descaradamente com a médica e ex-BBB Thelminha e com a jornalista Maju Coutinho. Ou seja, ainda hoje vemos que as dores de mulheres negras só são acolhidas de forma integral se mulheres brancas se identificarem com elas, o que é impossível quando falamos de atravessamentos raciais.
Como disse, esse padrão se repete em várias esferas da nossa sociedade. É homem preto que bate em mulher e é sempre lembrado por isso, enquanto homem branco que faz o mesmo as pessoas fazem questão de esquecer - e até reality show ele vence. É mãe negra que rouba para alimentar seus filhos e é encarcerada, enquanto outra branca rouba e seu choro comove. E são outras dezenas de coisas nesse sentido que ratificam o fato de que ser negro diaspórico é entender que seu erro jamais será tolerado como o de uma pessoa branca, independente de que local esse erro ocorra.