BBB24: entre erros e acertos, 60% dos votos foi pouco para entrega de Davi no reality
Longe de ser unanimidade, o campeão do BBB24 teve uma porcentagem que não corresponde ao seu protagonismo
Mais um ano de Big Brother Brasil termina. Programa polêmico que divide opiniões em vários sentidos. Uns gostam, outros odeiam. Uma parcela acha que reforça preconceitos, já outra acha que repete na íntegra a sociedade contemporânea.
Eu, sinceramente, não me intrometo nessa discussão. O que eu afirmo é que o programa tem uma inserção em uma camada da sociedade que muita gente que o critica de forma veemente não consegue penetrar. Logo, algumas discussões propostas ao longo dos programas alcançaram um público que a maior parte das pessoas letradas não conseguem.
O campeão do BBB24 Davi reflete bem essa parcela do público que alguns intelectuais soberbos tendem a olhar de cima. Um jovem preto, que passou fome e que não teve acesso a várias informações. Ao entrar no BBB, aos 21 anos, Davi já era um vencedor. Venceu a fome, a falta de oportunidade, sobreviveu ao racismo e a rua. Cometeu erros dentro do programa grosseiros, como falar que era homem e não "viado", e no último dia do programa, quando disse que queria ter uma menino para ensiná-lo a ser macho.
Esses erros de Davi eu, aos 21, também cometia e não passei fome, nunca fui periférico e já cheguei a falar, nessa mesma idade dele, em conversa com meu tio, que negros realmente pareciam com macacos. Hoje, sou acompanhado nas redes, aplaudidos por muitos, mas esses mesmos não teriam me dado uma segunda chance se me conhecessem aos 20 e poucos anos.
Davi jamais se abraçou ao equívoco. Sempre que questionado, recuou, ouviu e se policiou. Diferente de outras participantes brancas que, mesmo após sair da casa, abraçaram suas asneiras e andam com elas até hoje, com orgulho.
Falar sobre ser branco nesse programa é fundamental para entender a porcentagem que Davi alcançou nessa final. Ver a porcentagem de Matteus, homem branco, hetero, sulista e de "boa genética”, como ouvimos do apresentador na eliminação de Allane, também ajuda a explicar qual fenótipo é bem quisto pelo público geral: os 24%, na média, escondem os 28% de votos únicos que o gaúcho recebeu, quase um terço dos votos para um participante que, com todo respeito, era quase uma planta.
Outra porcentagem que nos ajuda a elucubrar sobre a porcentagem minguada de um dos melhores participantes da história do programa é a da campeã do ano passado, Amanda Meirelles, outra semiplanta que, na final, conseguiu quase 70% dos votos.
Para além dos campeões, temos dezenas de exemplos de participantes com comportamentos parecidos e de cores diferentes que recebem reações diferentes do público. Sarah Aline, do BBB23, eloquente e inteligente, não teve esse mesmo afago do Matteus. Bruna Griphao, que protagonizou a cena mais tenebrosa contra Cezar Black, chegou na final e permeia pelos ambientes sem sofrer o hate que Karol Conká e Lumena até hoje sofrem. Os dois que foram expulsos na edição do ano passado, MC Guimé e Cara de Saparo, sobretudo Sapato, que seguiu sendo abraçado pelos fãs e pelas pessoas da casa, também é um exemplo.
Falando neles, não pode ficar de fora dessa nossa conversa a comparação covarde que algumas pessoas nas redes sociais tentavam fazer de Sapato com Davi durante todo o BBB24, usando o episódio da suposta mão da nádega de Fernanda, que até hoje não temos imagem e que a própria assumiu que foi sem querer, ou o de Davi sendo carinhoso com a Pitel, segundo a própria Pitel, mas que as pessoas aqui fora tentaram crucificá-lo.
Essa questão de dois pesos e duas medidas dentro do BBB é corriqueira e constante. Eu realmente acredito que se Davi fosse branco, pelo menos 15% a mais nesses 60% entrariam fácil. Contudo não dá para negar que ver o primeiro homem preto retinto vencer o programa não dá um quentinho no coração. E eu digo isso tendo total consciência que essa vitória dele não tem impacto estrutural algum.
Davi nos ensinou que mesmo você tendo consciência racial, não deve apontar o dedo e falar sobre o que está acontecendo dentro do programa. Davi ensinou que mesmo não estando errado, como no caso do "psiu", do Calabresa e etc., as pessoas gostam de ver a receptividade à crítica, abaixar a cabeça e seguir o baile. Davi ensinou a ser resiliente, mostrou que para muita gente lágrima de homem preto é vitimismo e foi mais um participante negro a provar que ainda hoje o comportamente do uma pessoa negra jamais terá o mesmo julgamento de uma pessoa branca.
Doutor Davi, o campeão do povo, responsável por evidenciar o racismo e a falta de consciência de classe de muita gente da esquerda, hoje acordou milionário. E, por mais que não mude a estrutura, teremos uma família preta melhorando de vida. Isso não é suficiente, devemos buscar uma emancipação geral, mas antes uma família negra saindo da miséria, do que branco, classe média botando mais algum no bolso.
Davi sempre será lembrado pelo Brasil ao falar de Big Brother Brasil, mas não por ser preto, pobre e soteropolitano, mas porque foi um dos maiores nomes que o programa já teve, até porque no mesmo lugar onde tem vários brancos medíocres, o preto que divide esse espaço com eles é, pelo menos, 10 vezes melhor.