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Colonizadores não são dignos de minha torcida

Ver jogadores negros em seleções europeias não muda o fato desse continente ser responsável pelo empobrecimento da África

13 dez 2022 - 05h00
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A copa do mundo é um evento que ainda mexe muito com o brasileiro. Por mais que alguns de nós tenham se afastado da seleção, cada um com seus motivos, o ano de copa faz com que esse afastamento se reduza e boa parte das pessoas acaba se jogando de cabeça. Logo, vale muito a pena usar esse momento para refletirmos sobre alguns fatores sociais como a colonização, a xenofobia, racismo, entre outros.

Mbappé, que é nascido na França, mas com origem em Camarões, cogitou deixar de jogar pela seleção após ser vítima de racismo pelos próprios franceses na Eurocopa de 2020
Mbappé, que é nascido na França, mas com origem em Camarões, cogitou deixar de jogar pela seleção após ser vítima de racismo pelos próprios franceses na Eurocopa de 2020
Foto: Reprodução/Facebook

Muitos, principalmente os que não têm base na história da colonização, não entendem por que a França, Bélgica, Inglaterra e Portugal têm tantos jogadores negros. Para entendermos um pouco sobre essa questão, precisamos voltar no século XIX, que foi quando os países do oeste europeu decidiram dividir o continente africano, através do Tratado de Berlim, para ser explorado, tendo a França e a Inglaterra como principais detentores de porções do continente.

Nesse período que a África foi ainda mais saqueada e explorada, várias atrocidades aconteceram. Vou trazer um dos casos que, ao meu ver, é muito emblemático e pouco denunciado. O nome do genocida é o belga Leopoldo II. Ele, sem dúvida, foi responsável pelo maior genocidio de uma civilização nos últimos 200 anos. Fora todo o escravagismo, exploração e morte que a Bélgica fazia com o Congo, o que impressionava era o requinte de crueldade com que essas coisas eram feitas. Por exemplo, a amputação de partes do corpo de congoleses como narizes, orelhas, mãos e pés, além de que, eventualmente, não só amputavam, mas também quebravam os braços daqueles que não cumpriam as cotas determinadas. Não satisfeitos com isso, eles obrigavam a outros escravizados a posarem para fotos segurando membros de outros que tinham acabado de ser amputados, provavelmente para servir de exemplo. A coisa era tão absurda que até hoje a Bélgica é conhecida por ter um chocolate em formato de mão. Fora zoológico humano que exibia pessoas negras, inclusive crianças, em território belga no ano de 1958, e só para vocês terem ideia de como isso é recente, minha mãe é de 1957!

Por conta dessa colonização, eventualmente, as pessoas desses locais colonizados imigraram para o país colonizador na esperança de ter uma vida melhor, já que o seu território de origem tinha sido saqueado e empobrecido por essa nação. Por isso, hoje, quando vemos, por exemplo, a seleção francesa com grande parte dos seus jogadores com ascendência em outros países. O Mbappé é nascido na França, mas sua origem é de Camarões, Mendi Senegal, Dembélé com origem no Mali e poderia citar outros como Umtiti, Pogba, Benzema, Kante, Matuidi e, o próprio Zidane tem sua origem na Argélia.

Uma característica bem covarde da xenofobia francesa, país da “egalité fraternité liberté”, é que quando esses jogadores vão bem, os torcedores cantam que “somos todos franceses”. Já quando vão mal, os mesmos jogadores são imigrantes que estão tomando lugar de franceses de verdade. Kylian Mbappé, na minha leitura o principal jogador francês hoje, disse que cogitou deixar de jogar pela seleção após ser vítima de racismo pelos próprios franceses na Eurocopa de 2020.

O racismo e a xenofobia é a coisa mais democrática na Europa, tá? Não escapa um país! Inclusive nesse ano tivemos outro exemplo latente disso após Harry Kane perder um pênalti faltando sete minutos para acabar o jogo. Se ele marcasse a penalidade, a Inglaterra empataria o jogo das quartas de finais contra a França. Como ele perdeu, a seleção inglesa foi eliminada e, diferente do que ocorreu na Eurocopa de 2021, ele não foi vítima da torcida inglesa. Isso porque nessa competição três jogadores negros perderam penaltis na decisão contra a Itália e foram vitimas de uma enxurrada de falas racistas nas redes sociais. Sancho, Saka e Rashford foram tão desumanizados e ofendidos pelos torcedores que a federação inglesa de futebol teve que intervir e cobrar uma postura mais rígida das redes sociais para as pessoas que cometeram os crimes. Nada de muito incisivo foi feito, apenas aquelas notas que isentam a plataforma de culpa, mas não faz nada para mudar.

Para finalizar não poderia deixar de falar dos nossos exploradores, Portugal. O país que recentemente virou manchete no Brasil após os filhos da Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso serem vítimas de racismo e xenofobia por uma portuguesa que, entre outras coisas, gritava mandando as crianças voltarem para o país deles que, para quem não sabe, é o Malawi. O país lusitano, do genial Cristiano Ronaldo, teve seu título mais importante, a Eurocopa de 2016, graças a Éder jogador negro, nascido em Guiné-Bissau que fez um golaço no segundo tempo da prorrogação.

O bom é que cada vez mais jogadores estão tendo consciência do absurdo que são esses atos racistas e xenófobos e, com isso, buscando, ainda que radicado em países europeus, atuar pelos seus países de origem. A própria seleção de Marrocos, a sensação da copa, tem alguns exemplos disso. Patrice Evra já declarou que se arrepende de ter escolhido a seleção da França para representar ao invés do seu país, Senegal.

O que devemos tirar de conclusão disso tudo é que países imperialistas não são flor que se cheire. As várias cores que têm nessas seleções são frutos de exploração, escravização, pobreza e genocídio. A gente pode começar a ter compaixão por essas seleções quando elas começarem a devolver as riquezas do continente africano. E não falo dos jogadores e, sim, das pedras preciosas, das esculturas e de todas as outras coisas que fazem da Europa rica e da África pobre.

Fonte: Redação Nós
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