De Yalorixá Bernadete a mãe da Larissa Manoela: as várias facetas do racismo religioso
Os últimos dias escancararam como as religiões de matriz africanas são alvo de ódio da sociedade brasileira
Nada novo sob o nosso sol. O racismo religioso ainda é uma das facetas mais vividas do racismo no Brasil. Essa semana não foi diferente. Tivemos o assassinato da mãe Bernadete na Bahia, oficial de justiça na praia debochando de pessoas enquanto estão cultuando seus Orixás, teve também matéria do jornal O Globo falando sobre como religião não se mistura com medicina e ilustrada com imagens que parecem ser de um barracão da Umbanda e, por fim, tivemos também a mãe da atriz Larissa Manoela sendo exposta ao responder à filha desejando, de forma irônica, um feliz natal para a filha e para a família macumbeira do seu namorado.
A morte da líder do Quilombo Pitanga dos Palmares foi um conjunto de coisas. Ainda não se tem precisão do que ocorreu, mas a polícia civil suspeita de algumas pessoas com quem mãe Bernadete havia tido problemas, como madeireiros ilegais, vizinhos violentos e traficantes que rondam a região do quilombo. Vale lembrar que o filho da Yalorixá foi morto em 2017 e o crime segue sem resolução. Flávio Pacífico, conhecido como Binho, lutava contra a implementação de um aterro sanitário na região do quilombo e recebeu diversas ameaças antes do seu assassinato. Tanto Binho quanto sua mãe foram alvejados mais de dez vezes, o que, ao menos para mim, não foi apenas matar, foi passar um recado e colocar medo em quem pensar em ocupar esse espaço de liderança.
O oficial de justiça João Ivan Sobrinho fez um vídeo fazendo chacota de uma cerimônia de religião de matriz africana que acontecia em Cruz (CE). No vídeo, ele fala coisas como “faz o L negrada” e “um terreiro de macumba mandado pelo SUS”. A sensação de impunidade é tão grande que o oficial não fez questão alguma de esconder sua identidade. Ele não mandou o vídeo em um grupo fechado e alguém vazou, ele subiu no seu próprio instagram. Após a repercussão, o rapaz apareceu falando que era só uma brincadeira e que respeita todas as religiões, aquele modo de agir padrão de racista.
Sobre a matéria do jornal O Globo, eu não irei entrar no mérito como um todo, pois ela tem pontos que eu entendo, como a resolução do Conselho Nacional de Sáude (CNS) reconhecer as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana como equipamento promotores de saúde e cura complementares do SUS, contudo não vejo terreiros querendo abrir consultórios e divulgando feijões que curam a covid-19. No meu entendimento, a resolução se direciona ao apoio que a religião de matriz africana dá às pessoas nas questões psicológicas e alimentares. Ao longo do texto, a autora até reconhece que não é a intenção dos terreiros substituir a medicina, mas a real é que quem vê rapidamente a matéria, sem ler sua íntegra, e a foto que a acompanha já tira a conclusão precipitada e isso ajuda a fomentar o racismo religioso. Até porque a religião que tem histórico de charlatanismo de cura é outra.
O caso de Silvana Taques, mãe da atriz Larissa Manoela, é interessante, pois um monte de gente tenta associar o racismo religioso à conduta dela com a filha. Essa ideia faz parecer que o fato dela ter tido a fala racista confirma a maldade dela em relação à filha. Eu não curto esses posicionamentos, pois os racistas religiosos estão em todos os lugares, têm diversas personalidades, inclusive podem ser pessoas bem quistas por todos que as cercam. Assim como uma pessoa que não é racista religiosa pode ser a maior trambiqueira que existe. Tentar associar o racismo religioso apenas a pessoas com condutas questionáveis é querer fechar os olhos para uma galera “bondoza” que é tão racista como qualquer um. Outro ponto é que - e isso é uma suposição - eu não duvidaria se a mãe da Larissa Manoela tentasse atribuir a busca da filha pelos seus direitos à macumba que o namorado pode ter feito. É sabido que religiões de matriz africana sempre são usadas como desculpa para crimes e condutas errôneas que, na maioria das vezes, são feitas por cristãos.
Enquanto o racismo religioso não for duramente combatido e punido, notícias como “traficantes evangélicos causam terror a religiões africanas” e “mãe de santo foge de seu terreiro por conta de ameaças” serão constantes. As religiões afro além de acolherem, ajudarem com questões psicológicas e alimentarem seus seguidores, também atuam na preservação ambiental. Demonizar os orixás não seria uma estratégia cristã para combater um mal que eles mesmos criaram? Esses traficantes evangélicos estavam a mando de alguém para aterrorizar os terreiros? Se sim, quem é o verdadeiro mal? O terreiro que está ajudando a comunidade? O traficante que destrói “em nome de Jesus”? O indivíduo que se associa e manipula o traficante para atender sua ganância pessoal? São questionamentos que eu deixo para a gente pensar quem são os verdadeiros vilões desses acontecimentos.