E quando traumas do racismo no colégio não vêm dos colegas?
Corpo docente antirracista é necessário para que crianças negras sejam protegidas do racismo na escola
Na semana passada, uma criança negra foi escolhida pela professora para colocar a máscara de macaco durante uma festinha no colégio. A mãe do menino disse que o tema da festa era circo e ela o mandou para a escola com uma fantasia de palhacinho. Porém, durante a festa, as professoras o escolheram para usar a máscara enquanto as crianças cantavam “você virou, você virou um macaco”. A escola, que é administrada pela Associação Evangélica Monte Carmelo, fez uma nota de esclarecimento que dizia, entre outras coisas “...pesarosamente manifestar a sua profunda indignação quanto à acusação de crime racial, diga-se injusta, que vem se espraiando nas diversas mídias sociais de maneira leviana e irresponsável, posto que esta instituição jamais compactuaria com qualquer conduta ou gesto que tenha por objetivo racismo…”.
Introdução feita, agora falaremos um pouco na primeira pessoa. Eu fui uma criança negra de classe média que frequentei dos 5 aos 12 anos um dos colégios mais caros de Salvador, na Bahia. Lá foi onde eu tive uma ótima base de estudo, professores muito bem instruídos, estrutura maravilhosa, atividades poliesportivas, ficava dois turnos no colégio, resumindo, era um cronograma educacional digno que deveria ser o aplicado para todas as crianças. Mas crescer em um ambiente branco me trouxe vários traumas que carrego até hoje.
Foi lá onde o racismo se apresentou para mim de maneira “sutil”, e esse racismo não partia dos meus coleguinhas, principalmente quando era mais novo, e sim dos professores. Uma forma de racismo que sofria à época, e só fui perceber como isso me atingiu depois de adulto, era a professora que passava elogiando e pegando no cabelo de todos os meus amigos brancos e simplesmente me ignorava. Outro marcador racial importante, que me carrego até hoje, era que quando um menino branco errava, era desobediente e brigão, a repreensão era muito mais amena do que quando feita a mim, como se ele tivesse o direito de ser uma criança levada e eu, com aquela postura, seria um futuro marginal. Esses são apenas alguns dos pontos, mas poderia falar sobre estar sempre entre os mais feios da turma, nunca ser escolhido para ser o noivo na festa junina, ficar penteando os cabelos lisos dos meus colegas sonhando em tê-los e, por vezes, pasmem, julgar minha mãe por ter escolhido um pai negro para mim (escrevo isso com olhos marejados).
Imagino que para muitos essa atitude das professoras é defensável, que “a maldade está nos olhos de quem ver” e até a frase corriqueira que “o mais racista é o próprio negro”. O que essas pessoas não entendem é que o racismo é tão intrínseco na nossa sociedade que ele afeta a subjetividade que, por vezes, as pessoas tomam certas atitudes racistas de forma natural, sem se dar conta do absurdo que está fazendo.
O macaco e tudo ligado a ele como a banana e a forma de se locomover, é historicamente usado para ofender pessoas negras. E isso ocorre frequentemente ainda hoje. Nos últimos jogos da Libertadores, por exemplo, times e torcedores brasileiros vêm sendo vítimas dessas comparações racistas. Você imagina, por um acaso, algumas pessoas conectando elementos do holocausto a algum judeu? Mas, em contrapartida, vemos sempre ítens de cunho racista sendo trazidos e atrelados a pessoas negras, como o caso recente do funcionário acorrentado pelo patrão em Goiás para ser filmado fazendo alusão a ser um escravo. O Brasil ainda não trata a escravização africana como uma catástrofe humanitária e isso também é culpa dos colégios que não ensinam de forma honesta sobre o passado escravocrata brasileiro.
Eu acredito que o ocorrido com esse menino não deva ser tratado como um erro dócil, como alguns estão tentando fazer. Não existe racismo ameno. As envolvidas nesse ato vexaminoso devem ser devidamente punidas e a mãe do menino está corretíssima em ter registrado um boletim de ocorrência. Não dá mais para ter educadores com tais condutas dentro do ambiente escolar. Meninas e meninos negros já sofrem muito com racismo dos seus colegas.
Os professores deveriam estar ali para reprimir tais atitudes e não para serem os causadores delas. Buscar profissionais antirracistas deveria ser um projeto de todas as instituições, e não só antirracista, mas também profissionais anticapacitistas, que entendam as questões de transgeneridade, sexualidade e todas as outras questões sociais.
Na minha leitura, a escola deveria ter como base a inclusão de pessoas, e para isso ser feito de maneira legítima e integral, seus profissionais devem estar preparados para atender e acolher a pluralidade que é o ser humano. Enquanto não tivermos uma educação de base inclusiva, e isso inclui também a família, continuaremos assistindo à marginalização de pessoas que não atendem os anseios racistas da sociedade.