É uma estratégia dos EUA colocar pessoas negras como algozes imperialistas?
Embaixadora americana na ONU, que é negra, vira símbolo do veto que propunha pausa humanitária e crítica recai sobre movimento negro
Que nem todo preto é aliado, a gente já está cansado de saber. Assim como sabemos também que o fato de uma pessoa negra não concordar com nosso posicionamento político não valida nenhum tipo de ofensa de cunho racial. Isso vale em qualquer conjuntura. Exemplo prático disso é o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo. Pessoa que tenho total desprezo, inúmeras críticas, mas que jamais proferi nenhum argumento que flertasse com o racismo para combater os seus posicionamentos patéticos.
Quando eu vi a imagem da Linda Thomas-Greenfield votando contra o cessar fogo em Gaza para que civis fossem evacuados em segurança da zona de ataque, tive certeza que esse texto iria sair. Às vezes, me parece que a esquerda que demoniza o identitarismo fica à espreita esperando uma pessoa negra atentar contra o correto para que generalizações e atitudes racistas sejam ditas e validadas.
Um usuária da rede social X, antigo Twitter, compartilhou a foto da embaixadora junto com o seguinte texto: “Os identitários votando a favor do genocídio palestino. Eu nunca vou esquecer disso e meu ódio pelo movimento negro só aumentou”. Esse texto desencadeou várias discussões, pessoas negras rebateram de forma veemente, enquanto pessoas que flertam com esse posicionamento faziam malabarismo para justificá-lo. Uma outra com discurso mais comedido disse: “Ninguém está criticando essa infeliz por racismo. O que estamos é desmascarando a farsa do identitarismo norte-americano. Vão à merda, oportunistas dissimulados e desesperados por cargos”.
A verdade é que o movimento negro dos Estados Unidos sempre foi visto como uma ameaça pelo governo estadunidenses e como uma arma para implodir os EUA pelos países massacrados por eles. Já teve campanha publicitária da antiga União Soviética falando sobre isso. O filme "Destacamento Blood" mostra como as vítimas do Vietnã também questionavam soldados negros por lutarem pelo país que os segregava. E certamente tem outros exemplos, já que o que os EUA mais fizeram nesses últimos anos foi invadir nações. Fato é que existem várias provas do racismo do exército americano, como a dificuldade de pessoas negras de chegarem a altas patentes, recusando alistamente de negros e até colocando pelotões de pessoas negras na linha de frente das batalhas.
Toda essa conjuntura, acredito eu, sobretudo durante a guerra fria, fez que o governo estadunidense percebesse que colocando pessoas negras em certos locais dava uma certa legitimidade para ações absurdas. Uma representatividade 100% vazia. Pessoas como Kofi Annan, Condoleezza Rice e o próprio Barack Obama, ex-presidente, são exemplos disso. Exemplos esses que, apesar de terem feito muita coisa errada, do ponto de vista imperialista, são só peões que não têm força alguma para mudar a estrutura do Estado estadunidense.
Logo, as pessoas de caráter e bom senso jamais atacarão o movimento negro por figuras como essas,. Elas irão atacar o tokenismo, atacar o fato da representatividade vazia ou qualquer outra coisa. Movimento negro estadounidense tem panteras negras, Malcom X, Martin Luther King Jr., Angela Davis, bell hooks e outros vários nomes que, enquanto lutavam pela sua vida dentro dos EUA, e a gente sabe o que aconteceu com Malcom X e King, criticavam também o Estado em todos os âmbitos possíveis e imagináveis.
Uma das mensagens destrambelhadas vistas nas redes sociais teve a audácia de dizer que o movimento negro surgiu para atrapalhar o movimento de classe (marxismo). Eu penso que é isso que tanto incomoda as pessoas que não são negras: elas acreditam que a luta racial mitiga a luta de classe porque, mais limitadas, essas pessoas acreditam que tudo se resume à classe. Elas acreditam mesmo que se o Estado, por algum milagre, tivesse uma estrutura socialista as agressões de gênero iam acabar, que pessoas negras iriam parar de sofrer racismo, que pessoas trans iriam ter o mínimo de respeito, entre outros pensamentos que não se resumem à classe.
Eu não vi nenhuma pessoa negra comemorando o fato de ter sido uma mulher negra a vetar o genocídio palestino, não vi nenhuma pessoa negra dizendo, como sugeriu aquela a usuária da rede X: “Identitarismo = permitir que uma mulher negra tb tenha a oportunidade de massacrar uma população. Igualdade para todes”.
O que eu vejo, na maioria das vezes, são pessoas do movimento negro criticando notícia de negro bilionário, criticando essa história de preto no topo, até porque no Brasil o que pavimenta a classe é a raça. Não existe luta de classe que não pense na questão racial, os que pensam assim são um monte de cirandeiros que estão mais preocupados em alimentar seus próprios egos do que fazer uma revolução que impacte a estrutura.