Genivaldo é mais um negro vítima do estado brasileiro
Violência parece ser legítima quando o corpo que a sofre é preto
Nesta semana uma morte cruel ganhou os noticiários em todo o Brasil. Genivaldo de Jesus foi morto durante uma abordagem feita por agentes da Polícia Rodoviária Federal. Ele morreu em Umbaúda, interior de Sergipe, e, segundo testemunhas, Genivaldo foi agredido por 30 minutos antes de morrer asfixiado dentro de uma viatura da PRF. Os policiais já admitiram que usaram spray de pimenta e gás lacrimogênio dentro do veículo durante a abordagem que parecia mais uma sessão de tortura.
Mortes bárbaras como a de Genivaldo, que fez até a ONU se pronunciar, não é algo raro no Brasil. Sempre vemos corpos negros sendo submetidos a atrocidades que, muitas vezes, tem o próprio estado como causador. Infelizmente a sociedade não têm a mesma compaixão com pessoas brancas e negras. É muito fácil perceber isso ao notar que sempre as pessoas com a mesma cor são alvos desses absurdos. Muitos desses caem no esquecimento, mas tentarei lembrar de alguns episódios horríveis em que, se as vítimas fossem brancas, provavelmente, nada teria acontecido.
O primeiro caso é o da Cláudia Ferreira da Silva. Em 2014, após troca de tiros entre polícia e traficantes, Cláudia, aos 38 anos, foi atingida no pescoço e nas costas e foi socorrida com vida, segundo os próprios policiais. Uma pessoa inocente ser baleada já deveria ser um absurdo, mas o pior foi que Cláudia foi arrastada pela viatura durante quase meio quilômetro. O corpo dela quicava e se arrastava pelo asfalto enquanto a viatura a levava para o suposto socorro. Ela já chegou no hospital sem vida.
Outro horror que dificilmente teria acontecido se as pessoas fossem brancas, foi a morte do músico Edvaldo Rosa dos Santos. Por nome pode ser difícil de lembrar, mas esse é o caso dos 80 tiros. Edvaldo ia a um chá de bebê quando passou por uma patrulha de militares e o carro onde estava ele e sua família foi atingido por 80 tiros. Confundiram o carro dele com um veículo que teria sido roubado na região, o que não justifica, mas para piorar, o carro só tinha a mesma cor do veículo roubado, a marca e modelo em nada tinham a ver. É importante lembrar também que Luciano Macedo, que era catador de material reciclado, morreu baleado ao tentar ajudar Edvaldo e sua família.
O estado em si é racista, mas os absurdos que ferem pessoas negras não vêm só deles. O caso do menino Miguel é uma das coisas mais revoltantes que ocorreu nos últimos tempos. Para refrescar a memória de quem pode ter esquecido, Miguel caiu do nono andar de um prédio de luxo no centro de Recife. Ele era filho de Mirtes Renata de Souza, que trabalhava na casa de Sarí Corte Real. A mãe de Miguel não tinha com quem deixar o filho em casa então o levou para o trabalho, importante lembrar que isso foi durante a pandemia, em dado momento a Mirtes teve que descer para passear com o cachorro da madame (isso é algo muito emblemático), deixando assim seu filho aos cuidados da sua ex-patroa. Passado algum tempo Miguel quis ver a mãe, a patroa o colocou no elevador e o deixou só. Miguel caiu do nono andar e até hoje sua mãe briga por justiça pelo seu filho.
A história que mais ajuda a compreender por que esses casos, provavelmente, não aconteceriam se as pessoas fossem brancas é o do Durval Filho. Durval foi “confundido” com um assaltante por seu vizinho na entrada do condomínio onde ele morava e foi morto pelo mesmo com três tiros. Esse caso elucida muito bem qual cor o vizinho de Durval, sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra, acredita ser de um morador próximo a ele e qual a cor de um bandido. Essa visão não é exclusiva do sargento, não. A sociedade como um todo faz leituras das pessoas conforme a cor da pele. É como se houvesse espaços onde pessoas negras não pudessem transitar sem causar estranheza. É mais ou menos assim o pensamento: “Preto na favela, morador! Preto no meu condomínio, ladrão!”. A justificativa pelo assassinato de Durval foi que ele se aproximou muito rápido do veículo. Logo, cara gente preta, vocês devem se locomover a no máximo cinco quilômetros por hora, passou disso não reclamem se forem alvejados.
Todos os casos acima, menos o de Cláudia, são muito recentes. Não precisa de muita procura para achar pessoas negras sendo mortas por nada. Ainda carregamos marcas da escravização que desumanizam nossos corpos e legitimam todo tipo de violência que sofremos. Existem outros fatos que mostram bem para qual cor a compaixão é dirigida. Quem não se lembra do mendigo gato? Loiro dos olhos azuis. Então, para além de analisar as mortes e as formas com que elas se dão, temos que ter um olhar mais aguçado para entender a cor dessas pessoas e o porquê de sempre ser a mesma. Cada caso desses atinge quem ama alguma pessoa negra no âmago, já que amanhã pode ser ela o alvo desses absurdos.