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Lutar contra o PL do aborto não deve ser uma causa apenas feminina

O silêncio masculino favorece a aprovação desse projeto de lei que visa controlar os corpos das mulheres

17 jun 2024 - 12h43
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Plenário da Câmara aprovou requerimento de urgência para projeto sobre aborto
Plenário da Câmara aprovou requerimento de urgência para projeto sobre aborto
Foto: Wilton Júnior/Wilton Júnior/Estadão / Estadão

É muito cômodo e confortável deturpar o conceito de lugar de fala para ser omisso e relapso. Quando não é a nossa vida, diretamente, que está em risco é muito tranquilo deixar rolar e ver no que dá. E isso vale para tudo. Branco na questão racial, cisgênero na questão trans e homens para questões feministas.

Digo isso pois notei que, apesar das pessoas nas redes sociais estarem falando bastante do projeto de lei que endure a pena para as mulheres que fizerem aborto após a 22ª semana de gestação, incluindo em casos de estupro, o PL 1904/2024, dentro da minha bolha progressista, a esmagadora maioria das pessoas que vem batendo firme nessa questão são mulheres. Enquanto isso, vejo pouquíssimos homens tendo a mesma gana diante desse enfrentamento.

Para situar quem possa não está inteirado no assunto, o PL visa igualar o crime de aborto ao de homicídio. Isso quer dizer que se uma pessoa com útero quiser abortar depois de 22 semanas, ela seria considerada uma assassina, tal qual alguém que saca uma arma e atira no outro. Ainda que essa pessoa tenha sido vítima de estupro.

Quem são as mulheres que o PL do aborto quer punir severamente; veja dados Quem são as mulheres que o PL do aborto quer punir severamente; veja dados

Vou tentar elucidar o absurdo disso trazendo um pouco de dados: 33,2% dos estupros tem como vítimas crianças de 10 a 13 anos de idade e 61,4% dos estupros tem como vítimas crianças até os 13 anos de idade.

O que parece é que se uma menina de 12 anos engravidar de um estuprador, não perceber que está grávida, notar apenas após 22 semanas e buscar ajuda, ela não poderá abortar. Caso decida realizar o procedimento, poderá sofrer uma retaliação maior do que o seu próprio algoz, já que, apesar da menor idade, o crime máximo para estupro é menor do que o de homicídio simples.

Engraçado que o mesmo espectro político que está encabeçando a aprovação do PL é o pessoal que é contra educação sexual nas escolas, que é determinante não só para ajudar a evitar o estupro, mas também para fazer a possível vítima entender como agir após o crime.

Eu não sei mesmo por que os homens não estão falando mais sobre isso. Às vezes, fico pensando se os caras acham que a mulher engravida sozinha. Todo e qualquer feto é fruto de duas pessoas e os homens, em grande parte das vezes, são os primeiros a sugerirem o não uso da camisinha e os primeiros a trazerem a possibilidade do aborto.

A omissão masculina sobre esse assunto é o mesmo que nós, homens, jogando no peito das mulheres uma responsabilidade que foi protagonizada por dois. E isso parece uma reprodução do que já vimos em grande escala em situações diferentes dessa. Por exemplo, homens que engravidam as mulheres e somem; homens que engravidam mulheres, mas por ser amante quer que aborte; homens que querem que as mulheres abortem, mas não buscam uma clínica adequada para ser feito; e outros vários exemplos de caras que se isentam de responsabilidades, pois o corpo que fica vulnerável não é o deles.

Quando o corpo em questão é o das mulheres a gente acha que pode opinar, inclusive indo contra a vontade dessa mesma mulher, mas quando a situação nos envolve nos afastamos e, por vezes, dizemos que o corpo é seu faça o que você quiser.

Homens precisam ser mais responsabilizados, sabe? Porque, ao invés de a gente estar discutindo pena para mulheres que querem abortar, ainda que essa tenha sido vítima de violência sexual, não estamos falando sobre como punir o abandono paterno ou então sobre o porquê que, no ano passado, mais de 170 mil crianças ficaram sem o nome de do pai na certidão de nascimento ou, ainda, talvez fazermos políticas sérias contra o machismo e a misogenia da sociedade patriarcal que ajuda a fomentar os milhares de estupros que acontecem todos os anos na nossa sociedade.

Por que não estamos gastando energia para tratar a causa e não a consequência?

Eu realmente acho que tem um fator político por traz desse projeto de lei em ano de eleição, mas nada justifica essa ânsia pelo controle do corpo feminino, assim como não dá para entender porque os homens de direita falam a favor do PL com tanta veemência, enquanto outros ficam de longe observando e, às vezes, aplaudindo as mulheres que lutam.

Fato é que, enquanto nós não lutarmos como uma unidade, veremos nossos direitos e dos nossos pares da esquerda sendo retirados por uma extrema direita unida, com a bíblia debaixo do braço querendo tirar de nós tudo que foi adquirido com muita luta.

Fonte: Luã Andrade
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