Não é por acaso o recorde de participantes negros no BBB
Consciência racial ou apenas busca por audiência? Maior elenco negro na história do Big Brother Brasil gera questionamentos importantes
O Big Brother Brasil, assim como todos os meios de comunicação, são aliados históricos da disseminação do que é bom e do que é ruim, do que é belo e do que é feio e do que merece compaixão ou não. Ao longo de todos esses anos, era visível que o programa sempre tinha predileção por pessoas brancas, com padrão de corpo bem determinado e nós, audiência, éramos bombardeados por um padrão estético que, para maioria, era impensável. Com o passar dos anos, vimos entrando pessoas pobres, pretas, algumas gordas e, infelizmente, apenas uma pessoa com deficiência. Contudo, todas essas eram exceções que acabavam, por vezes, escanteadas e ignoradas pelo grosso dos participantes que, como já dito, tinha um perfil bem determinado e só conseguiam interagir com os seus pares.
No BBB20, o primeiro com participação de gente famosa, tivemos apenas três participantes negros: Babu, Flay e a campeã Thelma, que, diga-se de passagem, começou a me seguir no início do programa, quando tinha apenas 50 mil seguidores no Instagram, porque fiz um texto falando da importância que era uma mulher negra no horário nobre da TV. Aproveitando essa brecha, criada por mim mesmo, queria ressaltar a quantidade de seguidores dela à época. Já tinha quase um mês de programa e ela só tinha essa quantidade de seguidores. Apesar de hoje ser bem diferente, quando pegamos quem ganha mais seguidores na apresentação dos participantes, pessoas brancas ainda lideram o ranking dos mais buscados e seguidos. Esse ano, por exemplo, temos três negros dentro do TOP 10 de quem ganhou mais seguidores. Desses três, dois são 'camarote', enquanto pessoas brancas, que são minoria nessa edição, têm ganhado mais seguidores e três deles, a frente de todos os negros, são 'pipoca'. Nessa conta não tem os participantes da casa de vidro.
Voltando ao BBB20. Naquela edição, tivemos a primeira pessoa de pele preta a ganhar o programa. Isso foi um marco, mas também um absurdo, já que, em um país como o Brasil, demorar 20 edições para uma pessoa de pele preta ganhar o programa deveria causar estranheza e indignação. Depois disso, tivemos o BBB21 e todas as questões envolvendo o Projota, Lumena, Lukas Penteado, Karol Conka, Nego Di e, o maior de todos, Gil do Vigor. Não por coincidência, todas pessoas negras que, tirando Gil, foram muito expostas durante o programa. Dores, medos e traumas serviram para alavancar, e muito, a edição do reality. Talvez a maior edição dos últimos tempos do BBB. Só para constar que eu não estou passando pano. Alguns deles erraram SIM, e muito, mas é nítido que as consequências para quem é negro são muito maiores, sobretudo para os retintos, que são quatro dos citados acima. Vale lembrar que o filho de um deles teve que ir a uma rede social pedir para pararem de persegui-lo. ISSO É CRUEL!
O BBB22 também teve uma boa quantidade de pessoas negras, mas como nenhuma, pelo menos que me lembre agora, quis sangrar em rede nacional, foram taxadas rapidamente como plantas, que não entregam no jogo.
O BBB23 se inicia e a pergunta que é título desse texto novamente aparece. Será que a Globo está abraçando a causa ou é a busca incessante por outro BBB21? Eu, sinceramente, não acredito em inocência e acaso, principalmente quando falamos de mega empresas que buscam o lucro de forma desmedida. Eu suponho que a equipe responsável pelo BBB não colocou pessoas negras como a maioria dos participantes por acaso. Negros e negras interessantes sempre existiram, e eu acredito que essa quantidade não era equilibrada como hoje, talvez, por uma questão racial mesmo. Racial porque os olheiros da Globo, embebidos do ideal branco de imagem, sempre se admiravam por gente branca e quem entrevistava para escolher os participantes conseguia se conectar mais com brancos. Eles sabiam que um corpo branco ia gerar mais compaixão, proximidade, interesse e, com isso, a audiência tinha mais chance de alcançar números desejados, o que traz patrocínio e dinheiro.
Por outro lado, ter gente preta no horário nobre da TV, tem seus pontos positivos para a comunidade. Digo isso porque, sem dúvida, individualmente, é uma exposição bacana. Ainda que não ganhem, podem fazer dinheiro com publicidade, participações, rede social e de outras formas, porém a gente não discute o benefício de um grupo baseado em individualidades. Nenhum benefício gigantesco não, mas acredito que algumas discussões raciais chegaram em pessoas que nem imaginavam que aquele tipo de conhecimento existia, ou pelo menos nunca tinha sintetizado daquela maneira, graças ao canhão que é o BBB. Claro que a forma com que essas discussões acontecem são péssimas, porque sempre temos uma pessoa negra exposta ao racismo. Acredito também que essa quantidade mais acentuada de participantes negros é ótima para as pessoas entenderem que pessoas negras não são iguais, que temos nossa subjetividade, nossas identidades múltiplas e que não temos nenhum compromisso em atender a expectativa de terceiros sobre nós. Recusar nossa individualidade, questionar nossos erros como se fôssemos as piores pessoas do mundo, não conseguir ter empatia por nós em determinadas circunstâncias, não só mostra como as pessoas ainda têm muito que se desconstruir, como mostra também como nossa humanidade, por vezes, é negada, já que, um indivíduo, é formado por várias camadas e não só a camada racial e de todas as problemáticas acarretadas pelo racismo.
Tem gente que fala que a quantidade de pessoas negras foi um exigência da Endemol, a proprietária dos direitos do Big Brother Brasil, mas eu não sei se é verdade. O que eu sei sobre esse tema é que empresa grande não dá tiro no pé, logo, não existe caridade por trás dessa quantidade de gente preta no programa. Mas também penso que, apesar de timidamente, a questão racial vai avançando, com isso profissionais negros dentro da equipe vão ocupando determinados espaços que antes só tinha branco, e com eles novas perspectivas são trazidas.
O debate que nasceu com a infeliz morte do George Floyd faz parte, ao meu ver, disso também, já que foi no ano seguinte a ela que a quantidade de gente preta aumentou de verdade. Existe interesse de marketing da empresa em se vender como uma organização que pensa em questões sociais, e podemos ver isso em outros produtos da emissora. Tudo isso é graças ao movimento negro que tá aí há mais de 100 anos buscando ocupar espaço, lutar por direitos e buscando incessantemente por igualdade. A real é que chegou em um ponto que ninguém consegue mais negar o racismo do Brasil e, com isso, as empresas estão se movendo para serem, ou parecer que são, preocupadas com essas questões. Acredito que existam pessoas da Globo com boas intenções, mas que se não tivessem dando retorno à instituição provavelmente as coisas não aconteceriam.
Espero que nessa edição as pessoas negras sejam vistas, quistas e acolhidas, que suas dores não sejam o centro da sua participação na casa. Quando negras e negros forem tratadas de forma humanizada, tal qual são os brancos e brancas, aí, sim, poderemos dizer que há uma melhora real do racismo institucional brasileiro.