Nem ser criança poupa uma pessoa negra do racismo
A destruição da autoestima de crianças negras é tolerada no Brasil, mas o intolerável é ver agressores nunca sendo punidos
Uma das facetas mais cruéis do racismo é quando ele atinge as crianças negras. Nos últimos dias, tivemos novamente meninas negras como alvo de atos racistas. A Miss Minas Gerais Kids foi vítima desse ato de ódio, e tudo graças a um pedido dela, que sente falta de representatividade nas princesas dos desenhos animados. A criança só disse que as princesas podiam arrumar o cabelo como o dela. Isso foi o suficiente para a miss mirim ser vítima das agressões.
O ocorrido não é, de maneira alguma, uma exceção. Ana Victoria, de 11 anos, é outra menina negra vítima de racismo e outra menina negra que teve seu cabelo atacado. Ela se tornou modelo de tranças, após vencer um concurso, e, o que era para ser algo superanimador, virou motivo para seus colegas de turma serem racistas.
"Eu fiquei muito triste porque ninguém queria mais falar comigo", disse a menina. Ana Victoria recebeu apoio nas redes sociais, como da atriz Taís Araújo que disse “Ana Victoria, você é linda, seu cabelo é lindo, sua pele brilha de tão iluminada, seu nariz é perfeito.” A atriz foi maravilhosa a enaltecer a beleza da criança e ratificar sua beleza para que assim não se abale pelo racismo recreativo de seus colegas de classe.
Como explicar o racismo para uma criança?
Sempre que o assunto são crianças negras precisamos agir de forma mais rápida. Afinal, como explicar para elas que vivemos em uma sociedade majoritariamente negra, mas que pessoas como ela, na grande maioria das vezes, estão em situações de vulnerabilidade ou subalternidade? Como fazer a manutenção da autoestima dessas meninas, sobretudo quando o assunto é cabelo, se nem quando elas se tornam misses e modelos, como as garotinhas acima, elas deixam de ser ofendidas e têm seus traços marginalizados? Como fazer com que nossas crianças mantenham sua sanidade mental com tantas informações contraditórias?
Difícil para pais e mães negras conseguirem contornar de maneira eficaz o racismo nas crianças, até porque vivemos em uma época que elas são bombardeadas de informações e passam pouco tempo com aqueles que, em tese, podem ajudar. Digo em tese porque não dá para julgar mães e pais, pois muitas vezes eles mesmos estão absorvidos pelo ideal branco, e isso não é culpa deles, nem de nenhuma pessoa negra, já que vivemos em uma sociedade racista e que finge que o racismo não existe.
Uma sociedade que não dá um ensino base de qualidade, piorou um letramento racial, e uma sociedade que se beneficia do racismo de diversas maneiras, seja para precarização do trabalho ou para mitigar os impactos da fome no país.
Referências, como quer Maria Eduarda, são importantes, sim
Para tentar diminuir o impacto do racismo na infância é necessário buscar desenhos infantis que tenham pessoas negras em local de destaque, explicar para as crianças o porquê de pessoas negras serem a maioria dos empobrecidos, puxando assim todo contexto histórico escravista, sem a romantização que muitas escolas ensinam, trazer exemplos de pessoas negras de sucesso e que tenham um discurso racial politizado, se possível fazer com que ela conviva com essas pessoas e o mais importante é o adulto que irá guiá-la se munir de informações porque, muito provavelmente, ela será diariamente coagida a pensar diferente.
Então assim, a Maria Eduarda, Miss Minas Gerais Kids, tem toda a razão em cobrar dos meios de massa e produtos da indústria cultural mais representatividade. Pode parecer bobagem para alguns, mas desenhos, filmes, séries, novelas têm um forte impacto nas nossas vivências. O entretenimento, e não só, determina, na grande maioria das vezes, tendências de comportamento, de beleza, moda e muitas outras coisas. Se esses produtos têm tanta força e influência tanto a grande massa, me parece óbvio que princesas brancas de cabelo liso só têm compromisso em agradar uma parcela da sociedade, e, diga-se de passagem, a menor parte dela.
Assim como a Taís Araújo foi perfeita ao ir acolher a Ana Victoria. Ela como uma atriz negra, que faz parte desse meio de referências midiáticas, dar esse apoio a menina fará total diferença para diminuir os danos causados pelo racismo de seus colegas.
Impunidade fortalece racistas
A justiça tem que começar a punir essas pessoas que ficam na internet cometendo crimes. Injúria racial é crime e deve ser combatido de forma veemente. A denúncia é importante, mas cobrar os órgãos reponsáveis pelo cumprimento da lei deve ser papel de toda a sociedade, não da vítima.
A certeza da impunidade é um dos pilares que mantém os racistas colocando todo seu ódio a pessoas negras para fora. Uma grande parcela da população que fala tanto na defesa da criança se cala em casos como esse, deixando assim bem nítida qual a cor das crianças que elas acreditam que merecem atenção e cuidados.