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O embranquecimento de Iemanjá é a repulsa da sociedade ao corpo negro

Branquear na lógica racista é distanciar do que é ruim e trazer para o que é divino

2 fev 2024 - 11h02
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Iemanjá originalmente não era branca
Iemanjá originalmente não era branca
Foto: Joa_Souza/iStock

A bíblia foi toda embranquecida. As pessoas esquecem que os algozes do livro sagrado são justamente as pessoas que a embranqueceram e depois passaram a usá-la como controlador social. Na tentativa de amenizar Jesus com estereótipo de surfista californiano, muitos costumam dizer que a mudança étnica de Cristo foi apenas um jeito dos artistas renascentistas encontraram para fazer dele sua imagem e semelhança e justificam isso através de um versículo bíblico, Gênesis I 26-28.

Minha análise é um pouco menos romântica. Acredito que a mudança foi uma estratégia de marketing, já que eles precisavam de uma imagem comercial para que a população aceitasse com mais facilidade junto com a imagem todos os dizeres que ela trazia consigo.

A lógica para a mudança étnica de Iemanjá penso não ter sido muito diferente. Pessoas com poder - leia-se brancas - que frequentavam o Candomblé antigamente começaram a adorar a rainha dos mares, mas se incomodavam por idolatrar uma pessoa negra. Na tentativa de se sentirem mais confortáveis e de facilitar a aceitação social, tramaram a mudança racial da Orixá.

Aqui em Salvador, por exemplo, todas as imagens de Iemanjá que lembro ter visto, não só eram brancas, como também durante muito tempo não era chamada pelo nome verdadeiro e, sim, de sereia ou algo nesse sentido.

Há quem diga que a mudança racial da rainha dos mares foi por causa do sincretismo. Segundo essa linha, a mãe das águas foi sincretizada em santas católicas como Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora dos Navegantes e, por vezes, até com a Virgem Maria. Por conta disso, a mudança racial foi sutil e aos poucos. Eu não compro esse discurso na íntegra.

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Sei que negros e negras tiveram que camuflar sua religiosidade nos santos católicos por causa das perseguições. Compreendo também que cada grupo, em lugares distintos, escolheu uma santa para essa representação, além de acreditar também que, com o passar das gerações, essas mudanças foram deixando de ser uma camuflagem e passaram a ser uma adoração legítima para ambas as entidades, porém não assimilo que a mudança da cor tenha sido elaborada nesse sentido. Até porque a maioria do povo de Axé, sobretudo terreiros tradicionais, jamais perderam a identidade racial da mãe das águas.

O mesmo racismo que faz com que as religiões de matriz africana sejam extremamente perseguidas e brutalizadas, faz também com que algumas coisas dela sejam aceitas, desde que não sejam tão pretas e africanas assim.

Isso se dá na mudança da cor de pele de Iemanjá, se dá na retirada dos atabaques e na introdução de instrumentos de corda, se dá no Candomblé vegano, na tentativa de criminalizar e banir os sacrifícios de animais e em diversas outras tentativas de descaracterizar a religião para aqueles que rejeitam a estrutura africana e buscam algo que chamo de cristianização do Candomblé, mas que é o puro suco do racismo “camuflado” historicamente praticado no Brasil.

Fonte: Redação Nós
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