Pessoas negras se amando é lutar contra o racismo
O amor preto pode curar, mas demanda energia dos envolvidos
Falar sobre afetividade, relacionamento e raça é sempre muito complicado. É uma área que não existe nada cem por cento certo ou errado. Fora que, por vezes, podemos ofender algumas pessoas sem querer. Neste texto vou trazer minhas opiniões sobre algumas questões junto com vivências e números que me trouxeram a esse grau de entendimento.
Antes de tudo, um dado: o último censo mostrou que 70% dos casamentos no país ocorrem entre pessoas negras e a maioria das pessoas que não se casam são mulheres negras. Trago esse fato para lembrar que relacionamentos interraciais não são predominantes no Brasil, o que para o estado eugenista, que tinha como projeto embranquecer a população através de relacionamentos interraciais, foi um fracasso. Então, assim, já expliquei que pretos e pretos vêm se amando desde sempre, falei sobre como a mulher negra é a base da pirâmide afetiva e também lembrei como foi um projeto do estado o embranquecimento da população por achar que pessoas negras eram inferiores.
Para esse embranquecimento, caso ainda não saibam, o Brasil facilitou a imigração europeia. Inclusive cedendo terras para essa galera que chegava do exterior (diferente do que fizeram com negros) e sempre com foco em clarear a população brasileira. E essa política de branquear ainda acontece hoje. Pode não ser visível para a maioria, mas ainda vivemos esse genocídio negro com base em ideais de uma época que se pregava, de forma escancarada, o ódio às pessoas negras. Homem preto tem média de vida 5 anos mais baixa do que o homem branco. Isso tem a ver com qualidade de vida, acesso à saúde, à boa alimentação, etc. Negros serem 76% entre os mais pobres não é fatalidade, é um projeto arquitetado pelos cofundadores do Brasil.
Fiz esse breve resumo para falar que, no meu entendimento, nos amarmos é revolucionário. É ir contra as ideias racistas que ajudaram na formação desse país. O amor entre pessoas negras é também um autoamor. Você quebra dentro de si o processo de afrocentramento, o ideal branco de beleza, e se consegue admirar seu parceiro negro, também se verá bonito (a), o que para autoestima é maravilhoso. Enxergar beleza em seus filhos, com traços e cabelos que você foi ensinado a rejeitar pelo racismo, mas aprendeu a amar com a desconstrução racial. Eu acredito no afrocentramento como arma de luta contra o racismo.
Óbvio que afrocentrar não é uma tarefa nada fácil. São duas pessoas negras que, provavelmente, foram muito massacradas no campo do afeto. São inseguranças, traumas, rejeições, auto ódio, silenciamentos e, por vezes, gente acostumada com migalhas de afeto e, outras vezes, que ainda carregam o ideal branco de beleza. E não dá para resumir tudo isso dito em “faz terapia” porque não é algo acessível, sobretudo quando falamos na parcela da população mais empobrecida.
Afrocentrar é trabalhoso, é árduo e causa muito desgaste por ambos terem feridas, mas qual relacionamento não tem tantas dessas coisas? A socialização de pessoas brancas é muito diferente das pessoas pretas, elas podem ter seus traumas, mas não ligados à sua raça. Então, é bem possível que um companheiro branco seja mais ameno e tranquilo do que aquele preto que, por causa do racismo, aprendeu a ser reativo, ou a namorada branca que não é insegura por que nunca foi rejeitada de forma contínua.
Quantas pessoas negras vemos vivendo de migalha de afeto, do medo de nunca achar outra pessoa para estar ao seu lado? A solidão do povo preto é algo real. E que se agrava quando fazemos alguns recortes como de gênero ou se a pessoa preta é gorda ou com deficiência. E com esse texto eu não quero que você termine com a pessoa branca do seu lado. Como falei acima existem várias nuances que eu jamais serei capaz de equalizar durante toda a minha vida. Quem sabe do relacionamento é quem vive. Esse texto é apenas minha humilde visão sobre por que escolher uma pessoa negra é um ato político.