Por que nem todos são tratados pela imprensa como Renato Cariani?
Pessoas negras, principalmente pobres, não recebem o mínimo de cuidado da mídia ao serem suspeitas de alguma ilicitude
Importante começar esse texto dizendo que eu não sou juiz, logo não tenho a mínima ideia se o "Tiozão da Maromba", Renato Cariani, é culpado ou inocente. O que eu sei é o mesmo que saiu na imprensa até então. A Polícia Federal está investigando desvio de produtos químicos usados na produção de crack e, segundo investigação da operação Hinsberg, um dos alvos é a indústria química Anidrol, que tem Cariani como um dos sócios.
Observando como a maioria da imprensa teve cuidado ao escolher as palavras para se referir a este assunto, me veio a reflexão do porquê a cautela só abrange determinados perfis sociais. Houve matéria usando o termo “empresários do crime”, outra preferiu “produtor de drogas”. Pouco se viu a palavra traficante e nada de bandido, marginal ou até mesmo vagabundo, como já vimos e ouvimos várias vezes em capas de jornais e na boca de apresentadores.
Eu já ouvi a justificativa de que como é raro pessoas dessa cor e nível social serem investigadas por tráfico, o uso das palavras tão distintas é para chamar a atenção do público. Isso por si só já seria problemático, mas será mesmo que é só por isso? A imprensa, os meios de massa e a comunicação no Brasil em geral são feitos por pessoas que cresceram em uma estrutura de sociedade racista e que, no exercer de sua profissão, carregam todo lastro de preconceito que cultivaram, querendo ou não, a vida inteira.
Se engana quem pensa que a imagem do negro de maneira negativa em jornais é coisa recente. Vocês já pararam para refletir como foram as primeiras aparições de pessoas pretas na comunicação brasileira? Confesso que não tenho um estudo aprofundado sobre isso, mas me parece razoável pensar que a história do negro nas mídias nacionais nasce com anúncios de venda de pessoas escravizadas, matérias avisando que chegaram tumbeiros, anúncios de “procura-se” por fugas, busca por negros reprodutores e aluguéis de amas de leite.
A imprensa, assim como tudo no Brasil, nasce de uma cultura escravagista que tem lado e ponto de vista! A forma distinta com que pretos e brancos são tratados tem a ver também com quem está por trás dos veículos midiáticos. Antigamente, negro que fugia da escravidão era um criminoso, e assim era publicizado nos jornais, assim como hoje uma mãe que rouba comida para alimentar seu filho recebe o mesmo tratamento. Se o ponto de vista abordado fosse do negro que fugiu do açoite e da mãe que queria salvar seu filho, a contrução sobre os fatos seriam totalmente diferentes.
O branco rico é tratado com cuidado porque pode ser conhecido do dono do jornal, por medo de retaliações e processos, mas também porque goza de uma empatia da sociedade que a maioria negra não tem. O próprio Cariani ganhou seguidores após a divulgação da investigação, aproveitou que suas redes estavam bombando para divulgar o seu curso e é bem capaz de fazer mais dinheiro ainda com essa exposição.
Ai eu te pergunto: quantos donos de grandes grupos de mídia negros você conhece? Quantas pessoas negras têm capital e influência para bater de frente com grandes jornais? Finalizo com um trecho de Michelle Alexander, em "A nova segregação: racismo e encarceramento em massa": “A confusão da negritude com o crime não ocorreu naturalmente. Ela foi construída pelas elites políticas e midiáticas como parte de um amplo projeto conhecido como Guerra às Drogas”.