Porchat, ou você é antirracista ou apoia conteúdo racista. Os dois não dá!
Justiça retira vídeo de Léo Lins do YouTube onde piadas que ferem minorias eram feitas a esmo
Léo Lins é bastante conhecido por suas piadas que desrespeitam muitas minorias. Essa não é a primeira vez que o nome do rapaz vem à tona por causa de coisas desse tipo. Nesse stand-up, por exemplo, ele fala “o negro não consegue arrumar emprego, mas na época da escravidão já nascia empregado e também achava ruim”. Mas não só isso. Fala de nordestino, gordo, idoso, PcD e transfobia. Me chocou ver que uma pessoa como Fábio Porchat, que penso ter uma consciência social acima de média, twittar que a remoção desse conteúdo tenha sido algo vergonhoso. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que Léo Lins apague um de seus vídeos cômicos no YouTube devido a piadas com minorias.
Isso aqui é uma vergonha! Inaceitável! https://t.co/UORUkpro2b
— Fabio Porchat (@FabioPorchat) May 16, 2023
Tudo bem que Porchat é também um humorista e que essa sua identidade seja muito forte, afinal foi graças a ela que se tornou famoso, conhecido e conseguiu uma vida confortável. Contudo, não entra na minha cabeça que um cara que já teve falas bem progressistas em seus programas, ou em suas participações em outros produtos da indústria cultural, corrobore com tamanhos absurdos.
Pode parecer uma simples piada, mas o que está por trás da escravidão africana no Brasil é, muito provavelmente, a coisa mais absurda que houve na nossa sociedade recente. Pessoas eram sequestradas da sua terra, transportadas em navios sem nenhum cuidado, vendidas em outras terras e exploradas. Alguns esquecem que, durante a escravização mulheres negras eram estupradas sistematicamente por brancos, apenas por perversidade e prazer, e por negros, a mando dos brancos, para que tivessem mais filhos, e que na estrutura escravagista essas crianças eram mercadorias. Pois é, exatamente o que fazem com animais hoje em dia. Não podemos esquecer que durante esse período também, a humanidade de pessoas negras foram removidas pela igreja católica, e com benção papal através da Dum Diversas.
O parágrafo acima não chega, nem perto, de descrever as atrocidades advindas da escravidão. Hoje em dia, nós vemos o reflexo de todo esse período. Hoje nós vemos que pessoas negras têm menor grau de escolaridade do que pessoas brancas, isso não é coincidência, já que, em 1837, a primeira lei de educação do Brasil proibia negros de frequentarem os colégios públicos. Negros também são a maioria em situação de rua, maioria em trabalhos análogos a escravidão, maioria dos que trabalham em troca de moradia e comida e outras coisas nesse sentido. Isso também não é acaso. Em 1850, a lei de terras proibia pessoas negras de serem proprietárias de qualquer pedaço de chão. Esses são dois de vários exemplos que poderiam ser dados.
Devido a todo esse contexto, eu não acredito que “simples piadas” possam ser feitas sobre a escravização negra. O Brasil nem sequer assumiu a culpa de escravidão, não fez reforma agrária, ensinou nas escolas que quem salvou os negros foi a princesa Isabel, nos anos 90 aprendíamos que a colaboração dos negros no Brasil era só acarajé e capoeira, as religiões de matriz africanas sofrem perseguições severas até hoje, fora a política eugenista que trouxe brancos estrangeiros para cá no intuito de embranquecer a população.
Eu realmente não consigo entender como Porchat, que fez live com várias pessoas negras e ouviu das bocas delas todas essas coisas e muito mais, consegue achar plausível uma brincadeira que até hoje condena pessoas. Fica o questionamento, quando, durante uma aula sobre escravização, um aluno fizer essa mesma piada dirigida a um colega de classe, qual medida deve ser tomada? Ou somos tão inocentes assim em achar que essas “piadocas” não são reverberadas no dia a dia? Porque até onde eu sei já tem trend no TikTok da piada citada acima.
Por essas e outras que eu penso que quem se intitula antirracista, por vezes, não tem ideia do que é ser de fato. Primeiro que antirracismo não deveria ser uma autodeclaração, deveria ser um reconhecimento vindo através de atitudes, como Irmã Dulce, Drauzio Varella e padre Júlio Lancellotti. Segundo que a luta antirracista não tem nada a ver com “hashtag”, tem a ver com atitude, esforço, mão na massa. Talvez os que condenaram a atitude da justiça em remover o show do Léo Lins do YouTube tenham um certo receio de amanhã passar pelo mesmo que ele, afinal ninguém cospe para cima porque sabe que cairá na própria cabeça.