Preto que dá o mínimo vacilo acaba como a assessora da ministra Anielle Franco
O erro existiu, mas ele ter partido de uma mulher negra intensificou as críticas e a rápida punição
No último domingo aconteceu a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo. De um lado o time paulista, que nunca tinha conquistado esse título, e do outro o time carioca, que apesar de muitos gastos não vem tendo um bom desempenho com o comando do atual técnico. Ambas as torcidas estavam inflamadas e ansiosas para essa final por todo esse contexto.
A Ministra da Igualdade Racial Anielle Franco foi ao jogo assinar protocolo de intenções de combate ao racismo e, com ela, foi a assessora especial do ministério, Marcelle Decothe, que teve a infeliz ideia de postar na sua rede social privada um story que dizia “Torcida branca, que não canta, descendente de europeu safade… pior tudo de pauliste".
Depois que um print da postagem da assessora vazou, as cobranças começaram de forma bem veemente. Era a brecha que a oposição queria. Não só para criticar o erro pontual da Marcelle, mas para trazer outros questionamentos sobre toda a ação da ministra. A assessora foi exonerada menos de 48 horas após a repercussão do caso.
O erro aconteceu. Não dá para ter determinados comportamentos dentro do avião da FAB, durante o exercício do seu emprego, principalmente no momento político que o Brasil vem atravessando nos últimos anos. Não dá também para você, enquanto persona do Ministério da Igualdade Racial, adjetivar as pessoas de brancas e falar do estado com maior população votante da união. Tudo isso no contexto do futebol, que mexe muito com o coração dos brasileiros. A prova disso é como a própria Marcelle se deixou levar pela emoção do momento, o que só agrava ainda mais o caso.
Pensando sobre a punição, me parece algo desproporcional. Digo isso baseado, principalmente, no caso do Filipe Martins, aquele assessor do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro que fez um gesto que identifica grupos de supremacia branca durante uma audiencia no Senado Federal. Ele foi investigado por semanas, a polícia do senado concluiu que ele cometeu crime de “preconceito” e ainda assim a exoneração não ocorreu. Ele não fez isso em sua rede social privada, ele fez um símbolo que flerta com a Ku Klux Klan, que anda lado a lado com o neonazismo, que acredita na superioridade natural de pessoas brancas, que tem um vasto histórico de violência contra pessoas negras, durante uma audiência que estava sendo transmitida no senado.
O Ministério da Igualdade Racial já incomoda apenas por existir. As pessoas adoram negar o racismo e não querem discutir sobre seus privilégios raciais. A patrulha da oposição estava babando a espera de algum erro de pessoas dessa agenda. Ele veio e todo mundo foi para cima da forma mais abrupta possível. Particularmente, para mim, ficou a sensação de que eles não queriam atingir a assessora, mas todo o ministério em si, sobretudo a ministra, que carrega no seu sobrenome um capital político muito poderoso construído pela sua irmã, Marielle Franco, que mesmo após seu assassinato segue sendo perseguida.
Não por coincidência estamos falando de três mulheres negras de dentro da política que sofrem, ou sofreram, pressões desproporcionais por estarem ocupando espaços que historicamente são ocupados por critérios de raça e gênero, só que nenhuma delas preenche o requisito.
Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade que se sente muito confortável em punir pessoas pretas. A Marcelle é super competente para o cargo que ocupava, é co-fundadora de vários projetos que visam diminuir o abismo social de raça, classe e gênero e está nessa área não é de hoje. Entendo que politicamente pode ter sido a decisão mais acertada para que as manchetes sensacionalistas parassem e não atingissem um outro nível que colocasse em xeque Anielle e toda sua luta. Contudo fica nítida a vulnerabilidade da pauta como um todo, e que, talvez, as consequências só não foram piores porque o presidente Lula segue sendo cobrado para escolher uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal.