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Quantos Papais Noéis negros você já viu?

Nem mesmo todos os avanços das causas raciais foram capazes de quebrar a mística da brancura do Papai Noel

26 dez 2022 - 10h38
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Ter pessoas negras ocupando todos os espaços é fundamental para uma sociedade com equidade racial
Ter pessoas negras ocupando todos os espaços é fundamental para uma sociedade com equidade racial
Foto: iStock

Mais um natal se inicia e, com ele, a frustração de um pai preto que, ao tentar levar seu filho para ver Papai Noel, se depara com a ausência de representatividade negra dentro dos maiores shoppings de Salvador. Isso mesmo: SALVADOR. A cidade mais negra fora do continente africano. Cidade com mais de 80% da população autodeclarada negra.

Não se enganem. O vídeo da influenciadora digital Lorena Rufino que ganhou as redes nas últimas semanas, tecnicamente falando, não é em Salvador, e, sim, em Lauro de Freitas, região metropolitana da capital.

Assista ao vídeo:

Eu até fui em um shopping da capital levar Akin, meu filho, para tirar foto com papai noel, como vocês podem ver abaixo, contudo, observem que eu não deixei ele ficar no colo do bom velhinho, e isso por várias questões que posso trazer aqui em um outro momento. Durante o período que estive lá observando, todas as crianças foram colocadas no colo do Papai Noel. Isso me gerou a seguinte reflexão: quantos pais e mães deixariam seus filhos e, sobretudo, filhas sentarem no colo de um Papai Noel preto?

Importante falar que independente da cor não acredito ser correto colocar a criança no colo do Papai Noel, mas como também disse acima, esse não é o comportamento da maioria, logo, partindo desse ponto, nascem algumas questões como o que a imagem do homem negro traz na cabeça da maioria da sociedade.

Akin, filho do colunista Luã Andrade, conhece o Papai Noel negro do Parque Shopping
Akin, filho do colunista Luã Andrade, conhece o Papai Noel negro do Parque Shopping
Foto: Arquivo Pessoal

Negar que existe distinção de interpretações entre homens negros e brancos é negar o racismo. Repito, não estou falando que um homem, independente da cor, seja um perigo em várias questões, mas o ponto é: qual dos dois homens ainda tem o benefício da dúvida?

Qual a cor do homem que as pessoas seguram a bolsa quando veem? Qual a cor do homem que as pessoas fecham o vidro do carro quando veem chegando? Qual a cor do homem que, historicamente, ganhou a pacha falaciosa do “negro estuprador”? Precisamos, com urgência, refletir o quanto essas questões interferem na contratação de homens negros para serem Papais Noéis nas grandes empresas pelo Brasil.

Apesar das grandes corrupções que empobreceram o Brasil, e continuam empobrecendo, tenham sido assinadas por mãos brancas, inclusive sendo um dos fatores determinantes para a pobreza do povo preto, o rótulo de ladrão está na imagem das pessoas negras. Assim como o colocial mito do negro estuprador. Para quem possa não saber, mulheres eram proibidas nas caravelas, por isso que mulheres brancas, em grande escala, só chegam ao Brasil junto com toda a coroa no século XIX. Isso quer dizer que boa parte dos “pardos” que nasceram no por aqui no início da colonização era fruto de estupro de homens brancos a mulheres negras e indígenas.

Outra bobagem que já li na tentativa de justificar os Papais Noéis brancos é aquela mesma história de quando personagens de desenho são interpretados por pessoas negras. “Aaa, mas ele na verdade é branco”. Gente, vamos ser lúcidos: PAPAI NOEL NÃO EXISTE! Ele, originalmente, nem era Papai Noel e, sim, São Nicolau de Mira. Já sua aparência atual tem como referência Odin, o deus nórdico. Por fim, a cor do Papai Noel era verde e só passou a ser vermelha por um anseio capitalista daquela marca de refrigerante preto que fez uma propaganda dele com as cores da marca em 1930. Então, esse papo de reivindicar a brancura do Papai Noel baseada em “realidade” só prova o esforço que muitos fazem para justificar o injustificável.

Representatividade é algo extremamente necessário. Ela ajuda na projeção dos indivíduos em determinados locais, além da possibilidade de auxiliar a sua criança a ter outra imagem de pessoas negras que não aquela que nos marginaliza. Se vocês, daqui pra frente, tiverem a oportunidade de levar seu filho para ver um papai noel negro, faça isso! Eu fiz, conversei com ele e ainda elogiei a equipe do Parque Shopping pela iniciativa. E por eles foi me dito que a escolha é exatamente para promover a representatividade e que, desde sua inauguração em 2020, eles têm um Papai Noel negro na equipe.

Ter pessoas negras ocupando todos os espaços é fundamental para que pensemos uma sociedade com equidade racial. É triste saber que mesmo com todos os avanços das questões raciais ainda vemos grandes conglomerados ignorando a importância de ter representatividade nas suas ações. Não adianta dizer que é antirracista se não demonstra isso na prática, no dia a dia. O discurso pode até ser bonito, mas o que gera transformações são ações que possibilitam a inserção de pessoas pretas em espaços que outrora não eram vistas.

Fonte: Redação Nós
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