Se posicionar contra práticas machistas é obrigação de homem também
Silêncio dos homens nas redes sociais é um reflexo de como muitos se posicionam diante de uma situação de opressão de gênero no dia a dia
Os últimos dias no Brasil foram uma alegoria ao machismo. Em um curtíssimo espaço de tempo, uma procuradora foi agredida em São Paulo, por seu próprio colega de trabalho, uma juíza tentou induzir uma criança de apenas 11 anos, que foi estuprada, de desistir do aborto legal, com um requinte de crueldade ímpar. E se já não fosse suficiente todo esse espetáculo de horror, teve também a exposição covarde que fizeram da atriz Klara Castanho, com a participação de médico, enfermeira, jornalista e subcelebridade, que busca mídia sem o menor escrúpulo.
Para contextualizar o caso da menina de 11 anos, que a juíza quis convencer a não abortar, e o da Klara, que foi vítima de uma corja, e coagida a falar que sofreu a mesma violência, se entrelaçaram na hipocrisia social formada, ao me ver, por dois alicerces principais: cristianismo e machismo.
Isso porque os mesmos que corroboraram com a juíza e queriam que a criança “suportasse mais um pouco” e depois “desse o bebê para adoção”, por serem “a favor da vida”, porém, ignorando todos os traumas e dores que essa menina já vai sofrer, mas querendo piorá-los, passaram a atacar de forma cruel a atriz por ter feito exatamente a mesma coisa que eles tinham proposto para o caso da criança.
Nas minhas redes sociais, como sempre procuro fazer, me posicionei sobre todos esses casos e o que me surpreendeu foi uma grande quantidade de mensagens falando que eu era um dos poucos homens que se manifestaram acerca destes absurdos. O que me fez refletir o porquê de os homens não falarem nada. Nessa reflexão algo pairou na minha mente, para além de mensagem de rede sociais, que também tem sua importância, quantos de nós estamos lutando veemente contra o machismo?
Quantos de nós realmente se importam com as violências sofridas pelas mulheres, principalmente quando essas não fazem parte do nosso núcleo familiar ou próximo? Será que adianta fazer textão na internet, mas se calar quando ouve uns absurdos na sua roda de amigos? Quando aquele conhecido se gaba de ter embebedado uma menina propositalmente para ficar com ela, você se posiciona de forma incisiva contra? Você já tirou um amigo de cima de uma mulher que ele está tentando beijar de forma forçada? Já confrontou seu primo que faz piada de se roçar em mulheres em transporte público? E outras centenas de outras práticas machistas e sexistas que são validadas na nossa sociedade regida pela cultura do estupro.
E eu me coloco nesse lugar também, tá? Não estou aqui só para apontar o dedo a terceiros. Esse dedo está apontado para mim também. Eu tenho ciência que faço parte desse problema, aliás, a meu ver, todos nós, homens, sejamos brancos ou pretos, héteros ou homos, pessoas com deficiência ou indígenas, somos parte disso, alguns em menor grau, outros em maior, mas sim, somos.
Então reflitam qual a sua culpa nessa questão. Será que vocês, ou melhor, nós, só iremos nos posicionar contra tais absurdos quando for a nossa filha, mãe e irmã? Será que só conseguimos ser empáticos com alguma questão quando essa atinge diretamente nosso meio familiar? Se para você a resposta dessa pergunta é “sim”, tenha em mente que se posicionar e ser taxativo sobre essas opressões colaborará para que isso não chegue a outras mulheres, inclusive as do seu meio, já que essa é a única forma de acionar sua compaixão.
E para você que está estranhando um homem preto que fala de racismo, abordando a questão de gênero, lembre-se que existem mulheres negras e que enquanto houver um grupo de negros sendo oprimidos nossa emancipação nunca será completa. Outro ponto a refletir deve ser sobre quem protagonizou uma dessas opressões.
Por que se uma atriz, branca e aparentemente, bem resolvida financeiramente, foi exposta desse jeito covarde? Imagine o que acontece com mulheres negras e periféricas submetidas diariamente a contextos ainda mais complexos e que nem sequer tem voz e visibilidade para seus sofrimentos. Nossa luta deve ser por todas, todos e todes.