Sociedade racista molda corporações policiais também racistas
Agentes de segurança pública, absorvidos pelo racismo estrutural, seguem correspondendo aos anseios da elite
Um adolescente negro foi perseguido por um investigador da Polícia Civil identificado como Paulo Hyun Bae Kim. No vídeo, vemos Kim tentando render o menor, apontando a arma para ele de forma deliberada. A população ainda tentou pedir ajuda a uma policial militar fardada que não só recusou a ajudar, como chuta o jovem perseguido e manda ele se afastar. O rapaz que filmava os absurdos cometidos pelos agentes de segurança pública de São Paulo, ao cobrar posicionamento da Polícia Militar Feminina, é ameaçado de prisão.
Eu não sou historiador, mas queria convidar vocês para refletir sobre algumas coisas do passado do nosso país. Diferente do que muitos acham, a PM não foi criada durante a ditadura militar. Nessa época, ela foi reestruturada e passou a ter uma identidade ideológica, “melhorias” de treinamento, acesso a tecnologia, entre outras coisas. A história das polícias militares do nosso país começa em 1809, com a chegada de João VI, que adotou o modelo da guarda real portuguesa. Ela foi fundada simplesmente para defender a nobreza (burguesia) do povo, já que, diferente de Portugal, o Brasil não estava em guerra com nenhum país.
Não preciso nem falar que a grande maioria da população nessa época era formada por pretos e pardos, também não preciso falar que os levantes da população escravizada aumentavam frequentemente, que os quilombos estavam cada vez mais fortes, que já existia uma movimentação da sociedade querendo uma república e que o parlamento inglês já havia proibido o tráfico de escravizados. Logo, suponho que a criação de uma polícia militarizada tinha como intuito combater a população brasileira e defender os interesses do rei.
Acredito que, durante esse período, os escravizados eram perseguidos, agredidos e, muitas vezes, caçados pela polícia. Muitas leis, inclusive, foram criadas para otimizar a repressão a pessoas negras, como a lei dos vadios e a lei da capoeira. A primeira proibia que pessoas ficassem sem fazer nada nos grandes centros e a segunda que criminalizava a prática da capoeira. Sendo mais direto, me parece que, para além de defender os interesses da burguesia, a PM foi usada para reprimir, de forma ainda mais violenta, tudo que vinha da cultura negra.
Se a gente saltar para os dias de hoje, vemos que a lógica é exatamente a mesma. A desumanização de corpos negros segue sendo uma realidade. No caso acima, estamos falando de um menor que não foi capaz de gerar o mínimo de empatia pelos seus agressores que, em tese, deveriam estar ali para servi-lo e protegê-lo. Porém, aquele corpo, diferente dos brancos que traficam para os ricos ou que roubam loja chique no shopping, não é tratado como indivíduo pertencente à sociedade e digno de atenção. Para ele é destinada toda truculência e agressividade que está no DNA da sociedade quando falamos em pessoas negras, sobretudo pobres. E se está no DNA na sociedade, está também no DNA dos agentes de segurança.
É urgente a reflexão de que a Polícia Militar, Polícia Civil, polícia do Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e até os guardas municipais são indivíduos formados dentro de uma sociedade extremamente racista que aprendeu a ver o corpo negro como indigno de compaixão. Não tem como mudar as polícias se não mudarmos a sociedade.
Com isso, não estou isentando culpa de nada, muito pelo contrário, acho que toda violência policial deveria ter punições mais severas e essa lógica de militar julgar militar só abranda as penas e legitima as violências contra a população. O que ando refletindo é que, se pararmos para pensar, o elo fraco dessas instituições também é formado por pessoas pobres que viram na polícia um meio de sobreviver. E adivinha? No final é preto e pobre perseguindo preto e pobre, que acabam se matando para que a mesma burguesia de outrora não seja incomodada.
Não adianta a gente discutir esses agentes de segurança pública falando apenas dos praças. As elites dessas organizações também devem ser cobradas, assim como os secretários de segurança e toda estrutura da sociedade capitalista que, ao longo dos anos, vem assassinando pessoas para defender o capital burguês promotor da desigualdade e violência.