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"Som da Liberdade" é péssimo enquanto filme e ótimo para inflamar o bolsonarismo

“Baseado em fatos reais”, o longa é mais um delírio oriundo da extrema direita estadunidense

3 out 2023 - 10h37
(atualizado em 26/10/2023 às 09h02)
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Um dos personagens de "Som da Liberdade" traz o conceito de "white savior", ou seja, o  branco herói que chega para resolver a situação e salvar todos os envolvidos
Um dos personagens de "Som da Liberdade" traz o conceito de "white savior", ou seja, o branco herói que chega para resolver a situação e salvar todos os envolvidos
Foto: Divulgação

Atenção: esse texto contém spoiler.

O filme "Som da Liberdade", que se diz baseado em fatos reais, é sobre um policial que trabalha na captura de pedófilos até que, em determinado momento, ele é questionado sobre quantas crianças já salvou diretamente nesse tempo de serviço. Ao perceber que a resposta era zero, o policial muda sua lógica de trabalho e passa a tentar salvar o máximo de crianças possível.

O complexo em criticar esse filme, e isso já é feito dessa forma propositalmente, afinal vivemos uma guerra cultural, é que para uma pessoa menos atenta - ou mal intencionada - pode parecer que estamos criticando a luta contra pedofilia, quando na verdade o objetivo é mostrar como esses extremistas de direita estão usando um assunto seríssimo para transmitir mensagens conservadoras que podem (e vão) ser compradas por um público menos atento.

Confesso que no primeiro ato, antes de começar a propaganda extremista, até eu me vi envolvido com o filme, me emocionei com o pai que perde os filhos, com seu desespero, mas logo em seguida comecei a compreender as mensagens reais contidas ali.

Fiquei, de início, com a sensação que de o filme flerta também com um certo vilanismo estrangeiro, como se a mesma história não pudesse ser contada com vítimas e dentro do contexto estadunidense, mas como é baseado em fatos reais, talvez eles tenham escolhido essa história por acaso e não por encaixar em uma narrativa conivente com os pensamentos deles.

Importante dizer que o filme é ruim para além do viés político: roteiro pífio, fotografia medíocre, a atuação do protagonista chega a ser vexatória e a montagem do filme parece trabalho de colégio. Atmosfera de animações da Disney do século passado onde os personagens “do mal” têm um jeito específico, nacionalidade marcada e até maquiagem determinada. Um dos vilões tem as mesmas características do Ja’Far de "Aladdin" e do Scar de "O Rei Leão".

Só para vocês terem uma ideia, até o personagem bonzinho, que vive em um dos países da América Central, é branco. Inclusive, esse cara tem um arco de redenção bem “bonitinho”. Ele era do cartel, usuário de não sei quantos tipos de drogas, fazia um monte de coisa ilícita. De repente, algo acontece (que não irei falar aqui, pois pode ser muito gatilho) e ele é o algoz dessa situação, e isso o torna bondoso. E, é claro, que ele conclui a história dizendo como ganhou uma segunda chance de Deus. Achei um enredo bem "white savior", ou seja, o personagem branco que chega para resolver a situação e salvar os envolvidos.

A parte que eles jogam a sutileza para cima e escancaram o viés do filme é quando o filme romantiza um bilionário. É mais ou menos assim: o governo estadunidense banca a ida do policial para países latinos para investigar tráfico infantil, só que ele não consegue muita coisa e a cota de fundos que o estado disponibiliza acaba. O chefe dele pede que ele retorno, mas ele nega, se demite e, nesse meio tempo, tem um pouco de propaganda anti-governo. É o momento que ele, então, procura um bilionário que já o tinha ajudado em outras operações. O bilionário é convencido a participar, investe milhões a troco de nada para fazer a operação acontecer.

Para fechar com chave de ouro, até a campo o rico vai, ou seja, participa na prática da operação se encontrando com os traficantes e indo ao local onde foi feita a armadilha para pegar os bandidos. Nessa parte confesso que gargalhei. O pessoal no cinema até me olhou com cara feia, mas acreditar que um burguês arriscaria sua vida para salvar crianças pobres foi demais para mim.

No último ato, eles se superam. Nesse arco, o roteiro consegue piorar porque o policial se disfarça de médico e sai atendendo as pessoas, dando diagnóstico, fazendo a prescrição de remédios e aplicação de vacinas. Medicina em 24 horas. Isso tudo para que ele encontrer a criança, e principal vítima da trama, que foi comprada por membros do exércitos revolucionários, sendo que o líder é o que paga pela menina. O filme vende uma imagem como se todo exército revolucionário fosse composto por pedófilos, pois, em determinado momento, o protagonista passeia pelo acampamento e tem várias crianças espalhadas na companhia de adultos e sendo obrigadas a trabalhar, traficantes de drogas e escravocratas. E a gente sabe que o que imperialista mais teme são exércitos revolucionários que lutam pela liberdade do povo ao invés de se curvarem a governos que são marionetes dos EUA. Essa revolução, muitas vezes, tem base no ideal comunista. Logo, o interesse do filme é criminalizar e aumentar o ódio direcionado a essas pessoas e, sobretudo, à ideologia. 

É o típico filme para quem acredita em 'mamadeira de piroca' e que quer dar soluções simples a coisas complexas. Os ápices do filme são regados a músicas que remetem à religiosidade. Vários elementos cristãos são vistos durante todo o filme e o jargão “crianças de Deus não estão à venda” é dito com certa frequência. Em resumo, seria um ótimo vídeo para colocar na frente de quartéis no início do ano aqui no Brasil. A coisa é tão descarada que, no fim dos créditos, o ator principal faz um apelo falando que o filme sofreu com censura, que quem assistiu e acredita na causa tem que ser o propagandista, pois eles não tinham dinheiro para publicidade, que agora está na mão do povo espalhar a palavra.

Dica final: não assista! Não dê dinheiro a esse filme! Eu fiquei na dúvida se escrevia pois não queria ajudar a propagar o filme, mas como ele vem tendo muita repercussão resolvi ver para através desse texto matar algumas curiosidades e dar minha opinião. 

Fonte: Redação Nós
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