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Violência doméstica é uma problemática que vai além da raça

Apesar de entender como marcadores sociais se atravessam e potencializam as opressões, precisamos ter cuidado ao fazer algumas reflexões

18 set 2023 - 10h33
(atualizado em 26/10/2023 às 09h16)
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A ideia desse tema nasceu porque repercutiu nas redes um post de um cara preto falando sobre racismo, relacionamento e polícia. Ele fala que, ao se relacionar com um mulher branca, o homem negro fica mais vulnerável, pois ela pode chamar a polícia de maneira deliberada. Ele salienta que essa chamada não teria a ver com nenhum tipo de violência, mas, sim, discussões normais de casal. O autor da postagem conclui falando que uma mulher negra não faria o mesmo porque as relações de pessoas negras e pessoas brancas com os aparelhos do Estado, sobretudo os de repressão, são muito diferentes.

 Mulheres negras são as que mais sofrem com violência dentro da própria casa e a maioria dos algozes somos nós, homens pretos e pardos
Mulheres negras são as que mais sofrem com violência dentro da própria casa e a maioria dos algozes somos nós, homens pretos e pardos
Foto: iStock/dragana991

Na minha leitura, o coração do amigo está no lugar certo, mas o gancho foi o pior possível. Ele, ao meu ver, está falando da presunção de inocência branca e sobre como o “inocente até que prove o contrário” não serve para preto. E eu concordo. Mas quando o assunto é violência doméstica, os fatos são outros. E por mais que ele tenha salientado que não seria não ser sobre agressão física, o contexto do vídeo acaba levando a audiência a pensar nisso. A verdade é que a maioria dos casais no Brasil é monoracial. Mulheres negras são as que mais sofrem com violências dentro da própria casa ou em seu convívio e a maioria dos algozes somos nós, homens pretos e pardos.

Mulheres negras lideram todas as estatísticas negativas de gênero: violência médica/obstétrica, morte violenta, agressões domésticas, entre outras. A gente, inclusive, pode discutir como o estado negligencia os pedidos de socorro dessa parcela de mulheres, como a polícia atende ao chamado de agressão, se ignoram ao saber o endereço que a mulher negra mora. Digo isso porque, infelizmente, a maioria da população negra mora em periferia, e em alguns locais a polícia não consegue entrar de qualquer jeito ou a qualquer hora. O racismo institucional de algumas organizações faz com que quem deveria ajudar acabe acreditando que o chamado dessa mulher é uma "armadilha" ou que a mulher em questão é “mulher de bandido”, que merece passar por determinada situação.

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Para aqueles que irão falar que em regiões nobres, como em Alphaville, bairro do município de Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, a polícia também não faz nada - cabe lembrar aquele vídeo onde o morador chama o policial militar de lixo e afirma que ele faz o que bem quer, era uma chamada de violência doméstica. Não podemos esquecer que a quantidade de pessoas que moram em locais de luxo é muito menor do que pessoas que moram em locais mais vulneráveis. Eu até acredito que proporcionalmente a quantidade de agressão seja igual, isso se nos ricos, até pela certeza da impunidade, os números não forem maiores, mas em quantidade acredito que onde tem mais pessoas, os chamados sejam mais numerosos.

Outro ponto que essa história me fez pensar também é que seja a mulher preta, parda, amarela, vermelha ou branca, ela tem todo direito de chamar a polícia ao se sentir ameaçada. Nesse ponto a gente também pode, e deve, discutir como ações podem ter interpretações distintas a depender do emissor, por exemplo, um “A” dito por um homem negro ser diferente interpretado se locutor fosse branco, mas se a mulher se sentiu ameaçada ela tem o direito de bater o telefone e chamar a policia. Pode ter um viés racial? Pode! Mas aí se fomos pegar caso a caso e analisar para saber o que era e o que não era, coisas piores podem acontecer.

Já que estamos nesse assunto, vou além, ok? Parem de romantizar relações entre pessoas negras ou afrocentradas. Muitas pessoas pessoas negras estão absorvidas pelo ideal branco de masculinidade, seja homem ou mulher, que querem que seus parceiros negros performem na íntegra esses ideais.

Repito, não estou criticando diretamente o autor do post. A ideia dele se aplica em quase todos contextos, só que o ponto de partida complicou muito suas colocações. Tem a conjuntura estrutural? Tem. A gente sabe como as questões raciais interferem na nossa subjetividade? Sabemos! Mas não dá para morrer falando da estrutura e esquecer que somos indivíduos que podem melhorar individualmente, sobretudo nós que temos consciência das construções estruturais. Na minha opinião, o machismo latente de homens negros é um dos pilares que devem ser combatidos para que as questões raciais ganhem mais força. Isso porque nossas mulheres estão brigando em pelo menos duas frentes enquanto uma parte de nós está apenas em uma.

Fonte: Redação Nós
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