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A coragem das iranianas pode pôr fim ao regime dos aiatolás?

Os protestos em todo o país, compartilhados em redes sociais, vão além do uso do véu. Iranianas querem direitos iguais

10 out 2022 - 11h47
(atualizado às 17h28)
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Em uma sala de aula, estudantes pisam no quadro com a imagem do aiatolá Khamenei, líder político e religioso do Irã. Uma mulher coberta pelo chador, vestimenta preta que só deixa o rosto de fora, escreve no muro ''morte ao ditador". Em outra cena, um grupo de meninas canta a música "Baraye", que se tornou um hino dos protestos, escrita pelo compositor iraniano Shervin Hajipour, após a morte da jovem curda Masha Amini, em 16 de setembro.

Logo que a canção viralizou, Hajipour foi preso pelas autoridades iranianas e, segundo a promotoria, libertado dias depois. Mas suas palavras continuam embalando os protestos. "Por causa das mulheres, vida, liberdade. Por causa da liberdade" são os versos finais da canção. 

"O que mais me chama a atenção nos protestos atuais é a coragem lendária dessas mulheres", diz a escritora e jornalista Lúcia Araújo, uma apaixonada pela cultura da região que fazia parte da antiga Pérsia. Lúcia aprendeu farsi, o idioma falado no Irã, e esteve duas vezes no país antes de escrever o livro "Trágica e Bela- uma viagem pelas 1001 faces da Pérsia e do Irã" (Editora Alt Cult). 

A jornalista e escritora Lúcia Araújo autora do livro "Trágica e Bela- uma viagem pelas 1001 faces da Pérsia e do Irã"
A jornalista e escritora Lúcia Araújo autora do livro "Trágica e Bela- uma viagem pelas 1001 faces da Pérsia e do Irã"
Foto: Arquivo Pessoal

"Desde a antiguidade, as persas são extremamente destemidas e guerreiras", conta a jornalista. Ela relembra mulheres como Atossa, que viveu nos anos 500 a.c, filha do primeiro imperador persa, Ciro, o Grande. "Ela foi casada com Dario, o segundo imperador, e era a mãe de Xerxes, o terceiro imperador. No entanto, Atossa mandava mais do que todos juntos". 

"Trágica e Bela- uma viagem pelas 1001 faces da Pérsia e do Irã", da jornalista Lúcia Araújo
"Trágica e Bela- uma viagem pelas 1001 faces da Pérsia e do Irã", da jornalista Lúcia Araújo
Foto: Reprodução

No Irã de hoje, mesmo estando presentes em vários setores da sociedade- são médicas, advogadas e a grande maioria nas salas de aula das universidades- as mulheres são consideradas cidadãs de segunda categoria. "A mulher basicamente vale a metade do que um homem vale. Na herança, ela recebe a metade do que um irmão recebe, do que um filho recebe" diz Lúcia.  

A lista do que as mulheres no Irã estão proibidas de fazer é longa. Uma mulher casada não pode pedir o divórcio. Ao contrário do homem, quando ela vai à praia com a família, precisa entrar no mar toda coberta. A mulher também não pode viajar sem autorização do marido. Não pode cantar em público. É proibida de frequentar estádios de futebol. Praticar esporte? Só modalidades cujo corpo possa estar coberto. As roupas usadas em público têm que ser largas e o uso do véu é obrigatório, símbolos visíveis do controle do Estado sobre os corpos femininos, desde o momento em que elas colocam o nariz para fora de casa e podem ser repreendidas pela polícia de costumes.  

"Elas querem direitos iguais e o véu (hijab) é o símbolo mais visível de um sistema de opressão que se instalou depois da chegada dos aiatolás, em 1979", diz a escritora. No entanto, Lúcia Araújo ressalta que na época anterior a dos líderes religiosos, também não era um mar de rosas. "A gente não pode esquecer que, na época do xá Reza Pahlevi, um playboy à moda europeia, que foi colocado no poder por Estados Unidos e Inglaterra nos anos 40  até ser destronado pela revolução popular em 1979, a repressão política era violenta. Você tinha as prisões lotadas de presos políticos, embora as mulheres tivessem uma maior liberdade nos moldes do Ocidente", complementa. 

Desta vez, será que, a exemplo do que aconteceu com o xá, os aiatolás podem cair pressionados pela revolta popular que enfrentam? "Acredito que sim porque os jovens são maioria no Irã. Até por conta da violência na repressão aos protestos, o Irã vai ser penalizado com mais sanções", projeta Lúcia Araújo. "Hoje, são as sanções que estão sufocando a economia do país". E quando a economia não vai bem, fica difícil um regime ameaçado se manter em pé.

Até lá as redes sociais vão continuar a ser a janela por onde acompanhamos a situação no país. Um dos perfis no Instagram que se tornou parada obrigatória e uma espécie de agência alternativa de notícias, com mais de 14 milhões de seguidores, é o da atriz Golshifteh Farahani. Há 15 anos, Farahani vive em Paris. Foi banida do Irã depois de estrelar ao lado de Leonardo DiCaprio e Russell Crowe o filme  "Rede de Mentiras" (2008), de Ridley Scott. Para fãs de cinema iraniano, Farahani é uma figura facilmente reconhecível. Atuou em "Procurando Elly" (2009) que rendeu ao diretor Asghar Farhadi o Urso de Prata de Melhor Direção no Festival de Berlim. 

A indignação e revolta de Farahani com o que estão fazendo às mulheres de seu país são quase palpáveis. Como nos casos das adolescentes Nika Shahkarami e Sarina Esmaeilzadeh. A atriz relata que ambas foram mortas com golpes na cabeça, embora órgãos oficiais falem em suicídio. As duas meninas tinham apenas 16 anos. Só queriam poder cantar, deixar os cabelos à mostra e ter um pouco de alegria e diversão. Queriam ser livres e isso lhes tirou a vida. 

"É um capítulo da história do Irã que a gente espera que passe", diz Lúcia. Ela ilustra o sentimento com uma fábula antiga sobre um rei que pediu aos sábios da corte algo que ele pudesse se agarrar em momentos de grande desespero, algo que não o fizesse desanimar. Os sábios então fizeram um anel. Dentro dele, estava escrita a seguinte fase: "isso também passará". 

Fonte: Redação Nós
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