A volta do desfile de Victoria's Secret: nova era ou apenas marketing?
Com um casting de modelos com mais diversidade, a marca de lingerie que já foi alvo de críticas pesadas, ensaia uma reinvenção
Cinco anos depois de ser cancelado, o desfile da marca de lingerie Victoria Secret está de volta. Modelos e estrelas do mundo da moda voltaram à passarela para reviver o que, um dia, foi uma atração transmitida para mais de 100 países e que atraía a atenção de milhões de espectadores.
Por mais de 20 anos, o evento que acontecia uma vez ao ano era um mix de música e desfile. Enquanto estrelas da música se apresentavam ao vivo, as 'angels', como a empresa batizava suas modelos, caminhavam sensualmente, fazendo caras e bocas, exibindo asas enormes e muita pele à mostra. Era um evento desenhado para exibir opulência, com orçamentos batendo na estratosfera. A ideia era definir para milhões de mulheres o que era sexy e propagar um padrão de corpo e beleza através de modelos famosas.
Uma modelo que se tornava uma 'angel' da marca podia ter a carreira trasnformada da noite para o dia. Várias brasileiras se consagram nesse papel, como Alessandra Ambrosio, Adriana Lima, Izabel Goulart. Gisele Bundchen também integrou o casting dos desfiles e engordou seu patrimônio. Mas, na época, já era uma das supermodelos internacionais mais bem pagas.
No entanto, à medida que padrões de beleza e sensualidade foram redefinidos, com a sociedade exigindo mais diversidade de corpos, de tons de pele e de identidades de gênero, os desfiles da Victoria Secret se tornaram anacrônicos e, diria, até bizarros. Lembro de ter dado uma espiada em um dos derradeiros desfiles, que teve uma chamada de destaque em algum portal de notícia, e ter tido a sensação de que toda aquela atmosfera envolvendo o evento parecia deslocada no tempo.
Num mundo com mudanças importantes batendo à porta, em que as mulheres estão mais alertas à violência de gênero, a não deixar passar barato comportamentos misóginos e opressores, os lucros e a relevância da marca de lingerie foram também minguando. Tudo ruiu em 2018, quando o desfile anual da Victoria Secret teve uma audiência decepcionante.
A marca até ensaiou uma volta às passarelas no ano passado. Mas no desfile que aconteceu agora em Nova York, a marca quis reforçar que fez a lição de casa direito e montou um casting bem mais diverso. Estavam lá as brasileiras que ajudaram a construir a imagem da marca, como Adriana Lima, Isabeli Fontana e Alessandra Ambrósio. Mas, desta vez, ao lado da modelo Valentina Sampaio, primeira mulher trans a desfilar pela marca.
Também estavam modelos plus-size como Ashley Graham e Paloma Elsesser, a primeira a estampar uma capa da Vogue América de Anna Wintour. Assim como as veteranas Tyra Banks, Kate Moss e Carla Bruni.
Pode ser um aceno de que a empresa entendeu a importância da diversidade, se quiser um espaço entre marcas mundiais com relevância. O desafio agora é manter essa diversidade além das passarelas, incluindo o ambiente interno da empresa.
Dado o seu passado, exibido com todas as letras numa reportagem do New York Times, é preciso cautela para dizer que mudança veio. A reportagem de 2020, revelou que o ambiente de trabalho na empresa, na época comandada por dois homens, era bem problemático. Misoginia, assédio e uma cultura tóxica causaram danos a muitas mulheres, incluindo modelos, que faziam parte da indústria da moda. Queixas de comportamentos inadequados e abuso de poder se acumularam durante anos. Frequentemente, modelos e funcionários que denunciam tais atitudes eram ignoradas ou sofriam retaliações.
Por isso, fica a pergunta: a volta do desfile com toques de inclusão e diversidade é parte de uma nova era ou apenas uma jogada de marketing? Estaremos atentas.