Assim como fez Luísa Sonza, expor a dor da traição inverte a lógica da mulher 'coitada'?
Ao falar sobre motivos da separação, cantora deu adeus ao ex "por ela e por todas", invertendo a lógica da mulher traída dita "coitada"
Em vez do tradicional textão nas redes sociais, a cantora Luísa Sonza inovou e pediu licença para ler uma carta aberta ao vivo em rede nacional, num programa líder de audiência na televisão. Ali detalhou publicamente os motivos que a levaram a romper com Chico Moedas, o influencer alçado à celebridade recentemente depois de ganhar uma música/declaração da cantora.
Luísa não foi a primeira artista de sucesso a falar publicamente sobre as dores da traição. Mas quando artistas como ela ou Shakira fazem isso, acabam se tornando uma espécie de catalisadores, acelerando uma onda de reações entre a opinião pública que faz com que outras mulheres revisitem o que historicamente significa traição.
"A traição faz você se invalidar, faz você se sentir idiota, burra, palhaça, trouxa. É uma dor impossível de explicar. É uma quebra da confiança no próximo. É o medo de acreditar nas pessoas. É um sonho destruído. É toda sua entrega, todo seu zelo, cuidado, amor jogado fora", diz a carta lida por Luísa em rede nacional.
Ao descrever os sentimentos de uma maneira tão visceral, Luísa estabelece uma conexão imediata com quem conhece a dor de carregar esse sofrimento. Às vezes, a humilhação é tão grande que fica difícil verbalizar esse turbilhão de emoções. Será que os sinais estavam ali na frente e só ela não foi capaz de perceber?
Quem resumiu essa sensação foi Preta Gil, num desabafo que deixou em seu stories quando ainda se recuperava da cirurgia para retirada de um tumor no intestino. Preta escreveu que tinha tido insônia na noite anterior, remoendo como tinha conseguido estar casada durante quase 10 anos com um homem que foi capaz de traí-la sem que ela percebesse. "Será que estava cega?', indaga Preta. "Tá doendo muito, muito, muito, muito. Não aguento mais sofrer. Quero esquecer que eles (o ex e a amante) existem e seguir minha vida. Mas não é fácil!", desabafou a filha de Gilberto Gil.
Uma vez, durante uma entrevista com a sexóloga Carmita Abdo, ela me trouxe um dado de que a maioria dos casais que descobrem um episódio de traição não se separa. Uma das explicações para isso é que sempre se espera que a mulher vá entender a pulada de cerca do companheiro. Tradicionalmente os papéis esperados são esses: homens traem e mulheres perdoam. A questão, no entanto, é saber com que qualidade esse relacionamento vai prosseguir depois de uma traição. Por mais que se perdoe e tente seguir em frente, fica sempre um fantasma rondando a relação. Alguém que foi capaz de fazer isso uma vez, não fará o mesmo no futuro?
Ficar estagnada numa relação pouco satisfatória, que não acrescenta nada de bom à rotina do casal, é uma situação especialmente danosa para as mulheres. Chega a fazer mal para a saúde delas ficar presa numa espécie de limbo afetivo. Mas romper nem sempre é fácil. Sobretudo quando existem filhos e uma dependência financeira do parceiro. Romper implica numa reinvenção da própria existência.
Mas quando temos mais mulheres emancipadas financeiramente, elas se tornam livres para sair fora de uma relação ruim quando bem entenderem. "Hoje, vocês não vencem. Hoje, eu quebro o ciclo pela minha mãe, por minhas tias e por todas as mulheres que eu vi a minha vida inteira sendo traídas e não tinha muitas vezes nem para onde ir, acabando por ter que ficar com um traidor dentro de casa", afirma Luísa.
A liberdade também traz uma consciência de que a resposta nem sempre está no ideal do amor romântico. Fomos condicionadas a achar que nossas chances de felicidade têm a ver exclusivamente com a possibilidade de encontrar alguém que vai nos complementar. Quando Luísa Sonza escreveu no post do ex-namorado que esteve à procura dele durante toda a vida, talvez tenha projetado um príncipe que o moço das moedas não queria ser.
Mas, de qualquer forma, o que é terapêutico na maneira como Luísa e Shakira reagem à dor de traição é que elas invertem a lógica da mulher traída, geralmente vista como coitada. O que acontece é oposto disso: após a tormenta, elas emergem mais empoderadas ainda. A partir desse momento, elas reassumem o controle de seus afetos, mesmo que doa, doa muito.