Com Camilla rainha, confirma-se a máxima: o mundo não gira, capota
A história de amor que resistiu ao tempo e a casamentos fracassados é um apelo para simpatizar com a figura de Camilla
Logo após a morte da rainha da Inglaterra e com menos de uma semana de reinado, veio a público um vídeo em que o agora rei da Inglaterra perde a paciência por causa de uma caneta tinteiro. O chilique desproporcional por uma coisa tão tola, deu uma mostra da personalidade do primogênito de Elizabeth II. Mas também revelou um pouco sobre a nova rainha a ser coroada neste sábado, 6 de maio. Camilla foi rápida, não deixou que o piti do marido fosse muito adiante. Seu comportamento foi de alguém que parecia dizer "compreendo a sua revolta, mas já deu, né?"
Essa mescla de compreensão, um pouco de doçura e uma dose de firmeza deve ter pautado o comportamento de Camilla Parker-Bowles no longo período em foi vista como "a outra". E foram anos vivendo na sombra de Diana, cujo brilho ofuscou até mesmo o futuro rei. Dá para imaginar o tanto de lamúria que Camilla deve ter ouvido de Charles por conta disso, já que ele nunca foi alguém muito querido junto à opinião pública.
Quando jovem, era o herdeiro pouco charmoso, desajeitado e inseguro, aparentemente com motivos de sobra para tal, dada a relação conflituosa com o pai, o príncipe Philip. Ao se casar com Diana, Charles se transformou no marido frio, distante, insensível, que levou a mulher à mais completa infelicidade. E daí veio a morte de Diana, num acidente de carro em Paris que chocou o mundo e fez a popularidade da família real, incluindo a de Charles, despencar.
Camilla esteve nesta turbulência o tempo todo, mantendo-se leal e discreta. Foram anos ao lado de Charles, sem o status de companheira oficial. Tina Brown, a ex-editora das revistas The New Yorker e Vanity Fair, escreveu em seu livro "Os Arquivos do Palácio: Por Dentro da Casa de Windsor" (Companhia das Letras, 2022) que Camila enxergava um lado bom em não ser esposa de Charles. Segundo a autora, ela "detestava voar, falar em público, se arrumar e ter a atenção da imprensa". Era de alguma forma mais conveniente se manter distante do centro das atenções. Também dava a ela alguma liberdade.
No entanto, depois de ser preterida até pelo círculo de amigos do futuro rei, oficializar a união passou a ser considerada uma boa ideia. Em 2005, Camilla e Charles se casaram numa cerimônia discreta. Muito diferente daquela que levou Diana ao altar na Catedral de St Paul, saudada como o casamento do século. Como escreveu Tina Brown em seu livro, aos 57 anos "Camilla era alguém que Diana nunca fora: a mulher que o príncipe de Gales sempre tinha desejado".
Com a união, passou a ser a duquesa de Cornwall e a madrasta de William e Harry. O filho caçula de Diana demonstrou ser o mais resistente em aceitar a nova mulher do pai. Em sua biografia "O Que Sobra" (Bestseller, 2023), lançada no início do ano, Harry escreveu que ficava apreensivo que Camilla fosse como a madrasta má dos livros infantis. Mas tanto ele quanto o irmão reconheceram depois que, com o casamento, o pai "finalmente estaria com a mulher que amava, a mulher que sempre amou."
A história de amor que resistiu bravamente ao tempo não deixa de ter apelo enorme para simpatizar com a figura de Camilla. Toda vez que vejo foto ou vídeo em que o casal real é flagrado sorrindo compulsivamente, como se eles tivessem acabado de compartilhar uma piada interna, simpatizo ainda mais com Camilla.
Ninguém é ingênuo de acreditar que a reabilitação da imagem de Camilla foi fruto apenas do acaso ou de uma conjunção astral. Como a imprensa britânica sempre informou, houve um enorme investimento em relações públicas, que partiu do próprio palácio, para que Camilla fosse vista com melhores olhos pela opinião pública. O fato é que a imagem de vilã e o todo o resto sobre Camilla parecem agora coisa de um passado muito distante.
Neste sábado, ao lado do rei na Abadia de Westminster, Camilla será coroada rainha consorte e não princesa consorte. O atual título foi escolhido pela própria Elizabeth II, pouco antes de sua morte, o que foi visto como mais uma vitória de Camilla.
Fica só a dúvida se o próximo reinado será popular entre os súditos. Talvez não seja. Ao ler que Charles III, depois da morte da mãe, viajou para um monastério com mordomo e 43 malas, tenho minhas suspeitas. Uma hora ou outra, essa falta de adequação à realidade e o esnobismo de quem nunca trabalhou ou pagou um boleto na vida dão as caras. Segundo o jornal inglês "The Guardian", pesquisas recentes de opinião indicam que somente 3 em cada 10 britânicos ainda veem alguma relevância na monarquia. O grupo que menos se importa com os monarcas é formado pela população mais jovem, com até 24 anos.
Se vivesse na Inglaterra e tivesse que sustentar uma família disfuncional trilhardária, pensaria o mesmo. Sem contar que as cerimônias envolvendo os soberanos ingleses, velório, casamento e coroação, esfregam na cara do mundo a quantidade imoral de ouro e pedras preciosas que o Império Britânico usurpou de suas ex-colônias.
Mas é inegável que neste sábado na Abadia de Westminster veremos também o desfecho de uma história de amor e redenção.
One day to go until the #Coronation!
The Imperial State Crown, or Crown of State, is worn by the Monarch at the end of the #Coronation Service as they leave Westminster Abbey. Watch our short film to find out more about its history. https://t.co/GEImDG7s3c pic.twitter.com/kY9BfPEOGU
— Royal Collection Trust (@RCT) May 5, 2023